terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Respostas as objeções formuladas pelos céticos: cultura, linguagem, universais e abstração.

D - "Nossas impressões tornam-nos menos críticos na medida em que repetem-se com demasiada frequência." Tropói IX o que é exposto por Sextus do seguinte modo: "Apesar do Sol ser maior do que qualquer cometa nem sua imagem nem seu calor costumam chamar nossa atenção."

M - Justamente porque os fenômenos sucedem-se repetidamente, concluímos a favor de sua existência real.

Tal o caso do Sol, a respeito de cuja existência e esfericidade não nutrimos qualquer dúvida justamente por contempla-lo quase que diariamente.

Por outro lado tanto mais raro é determinado fenômeno e tanto mais propensos somos a duvidar de sua existência.

Não é certamente porque esperamos, que o Sol nasce no dia seguinte ou que a lua continua orbitando em torno da terra...

Não é que a sucessão contínua e repetitiva dos eventos nos torne menos críticos. O que ela nos torna é melhor informados e menos teimosos ou obstinados no sentido de alimentar suspeitas, prevenções e desconfianças infundadas. Ela de fato nos permite superar uma crítica, a princípio justa e louvável, pela posse dum conhecimento a respeito do qual não é possível qualquer tipo de hesitação.

Tanto a repetição constitui o selo da certeza, que as experiências científicas são repetidas milhares de vezes até que se chegue a alguma conclusão. Diga-o Weissman e seus ratos...

D - "Os homens são educados com crenças diferentes, sob diferentes leis e condições sociais distintas." Tropói X assim exposto por Sextus: "Isto diz respeito a regras de conduta, hábitos, leis, crenças e concepções lendárias e idéias fixas."

Pascal também parece admitir tal pressuposto quando assim se expressa: "Engraçada a justiça que esta montanha ou riacho limitam. Verdade aquém dos Pirineus e erro além."

M - Curto, mas demasiado empolgante o espaço concedido a cultura por tais pensadores. Afinal o problema da cultura - ou melhor dos 'costumes' conforme define Thompson (nos 'Usos e costumes..) -pouco chamou a atenção do homem antigo - a exceção de Heródoto, Aristóteles, Dicearco e Possidonius entre os gregos e de Varro entre os antigos romanos - e menos ainda do homem medieval e moderno.

Daí crermos ser conveniente prolongar um pouco este diálogo face a riqueza duma temática ainda tão mal explorada. Ademais estamos persuadidos a respeito que que uma analise mais ampla, detalhada e profunda a respeito da cultura, suas notas e peculiaridades só poderá reverter em benefício do dogmatismo e em detrimento do ceticismo.

Num primeiro momento é importante salientar que estamos analisando a cultura humana. Sem rejeitar que certas espécies de animais sejam capazes de não só produzir como até mesmo de transmitir cultura, nosso interesse neste tópico restringe-se a cultura produzida pelo homo sapiens.

Grosso modo podemos definir cultura como tudo quando tem sido produzido pela espécie humana no decorrer de sua existência.

Há pois uma cultura material e uma cultura imaterial - a primeira responsável pela invenção e confecção do alfinete ou do telefone e a segunda responsável pelo eudemonismo aristotélico, pela doutrina espírita ou pela teoria da relatividade...

A cultura material diz respeito aos bens ou objetos materiais e a cultura imaterial diz respeito a nossa produção imaterial ou espiritual; a 'theoria' dos antigos gregos. Naturalmente que nosso diálogo diz respeito ao segundo aspecto em questão, i é, a produção do conhecimento imaterial, elaborado e reflexivo, ou mesmo intuitivo...

Como no passado remoto e até bem pouco tempo o transporte e a comunicação dependiam de meios bastante precários, havia certo isolamento no que diz respeito aos diversos grupos humanos.

Convém salientar que a descoberta da Oceania aconteceu durante as décadas finais do décimo oitavo século e que sua exploração prolongou-se até o final do século seguinte (XIX). E que tanto na África, quanto na Amazônia e na Oceania, os antropólogos tem encontrado e classificado algumas tribos que jamais haviam tido qualquer contato com o homem 'civilizado'... Assim a globalização - iniciada no século XVI - só se completa no século XX, isto é a pouco mais de cem anos...

Daí ser a cultura, no que concerne ao espaço, caracteristicamente fragmentária ou 'regional' quer em sentido continental/nacional, quer em sentido tribal ou grupal até chegarmos a unidade familiar ou primária. Implica reconhecer a produção de cultura até certo ponto diferenciada ou plural, seja do ponto de vista da religião, quanto do ponto de vista da moral, da organização familiar e social, da estética, do direito, etc como quer e concede Aenesidemus...

Caso neste cenário absolutamente tudo seja relativo e contraditório nada há que deduzir... todavia caso haja algum elemento comum ou universal para além do isolamento regional, neste caso devemos refletir um tanto mais sobre o assunto... e aprofundar a questão.




DA LINGUAGEM


Assim, de chofre, coloca-mo-nos diante do problema da linguagem que é elemento primacial e central tanto de formação quanto de transmissão da cultura.

Sem querer se reducionista julgo que o problema da cultura identifica-se antes de tudo com o fenômeno da linguagem.

D - Nem vejo como possas encontrar algo de universal na linguagem humana uma vez que cada povo, nação, grupo ou sociedade possui um idioma próprio e por assim dizer, distinto de todos os outros. Quem pode pois haver de comum entre as mais diversas linguas ou idiomas? Sou incapaz de percebe-lo.

M - Compreende-se perfeitamente que um leigo como tu - que possui conhecimentos bastante limitados na área da linguagem humana ou como se diz, da linguística - mostre-se inepto para perceber qualquer tipo de elemento unificador ou universal neste campo. O que não se compreende é que certos teóricos como Sapir-Whorf tenham deixado de perceber tais elementos e postulado um 'relativismo absoluto' em torno do fenômeno da linguagem.

Nem é preciso ser um gênio para inferir as ligações existentes entre o relativismo linguístico, o behaviorismo e a metafísica materialista, correspondendo esta ligação a determinada ideologia que procura defender-se na medida em que é anteposta aos fatos concretos. Aqui como no behaviorismo trata-se sempre de justificar ou de vindicar a qualquer custo a crença materialista e de eliminar tudo quanto se lhe pareça opor.

D -  Os vocabulários de línguas diferentes costumam não ser totalmente isomórficos e existem realidades mais facilmente codificáveis em uma língua que em outra.

M - Demonstre.

D - Há cerca de cem anos Franz Boas apresentou o conhecido exemplo de que o esquimó não dispunha de uma única palavra para neve e sim de diversas, uma para cada modalidade de neve, devido à importância que este elemento tem na sua cultura. Por outro lado é assaz sabido que os antigos gregos possuiam dezenas de palavras para designar diversas categorias de copos...

M - Nossa controvérsia com os 'relativistas' não esta focalizada, como muitos creem ou imaginam, na lexicologia ou na morfologia ( que diz respeito das classes ou categorias de palavras consideradas em si mesmas); mas nos elementos primário e essenciais da SINTAXE.

É aqui, no campo da estrutura oracional básica, que postulamos a existência de elementos comuns a todas as formas de linguagem ou universais.

D - Seja mais explícito.

M - Parece que ainda não foram encontradas evidências que nos obriguem para descartar a ideia de que falantes das mais diversas linguas possuam formas aptas para exprimir alguns conceitos fundamentais como: tempo, espaço, número, matéria, quantidade, etc Eu, objeto externo, relação...

Os próprios adeptos do relativismo linguístico estão conscientes face ao problema na medida em que a eliminação ou negação desta estrutura básica comum impediria tanto o bilinguismo quanto a possibilidade da tradução. Os quais sem embargo existem enquanto fenômenos reais pondo em cheque a simples possibilidade dum relativismo absoluto em termos de estrutura linguística ou sintaxe.

D - Caso tenha compreendido corretamento o que quis dizer vossa paternidade esta se referindo a certas categorias fixas (nome, verbo, qualidade etc.), que se encontram na estrutura sintática subjacente de qualquer língua.

M - Podemos acrescentar ainda a existência de universais semânticos que realizam certas funções de designação em todas as línguas. 

D - Explique:

M- Cada língua tem de conter itens lexicais para designar pessoas, certos objetos relacionados com o ser humano, certos comportamentos, sentimentos, etc.

Podemos procura-los ainda no campo semântico formal: nomes próprios (existem em qualquer língua), nomes de cores, termos de determinados objetivos, necessidades e funções humanas, etc.

A existência de universais formais profundos, no sentido sugerido pelos exemplos acima implica admitir que todas as línguas humanas correspondem a um esquema ou a uma estrutura comum.

D - Explicitamente falando substantivo, sujeito, verbo/ação, predicado, qualidade atribuída, objeto externo, etc que são elementos mais ou menos explícitos e que podem ser traduzidos em termos de 'Eu' e de objeto externo ou mundo externo. Implicitamente teríamos sempre presente a noção abstrata do 'Ser'; o que levou Rosmini a formular o ONTOLOGISMO, supondo sua presença inata em todos os homens na medida em que fazendo-se presente em todas as formas de linguagem transcende por assim dizer as limitações temporais e espaciais atinentes a cultura.

M - Aqui cumpre conjecturar a respeito de tais elementos presentes em todas as culturas humanas e por assim dizer universais. Qual seria sua origem? Precederiam eles a todo e qualquer tipo de percepção ou de experiencialidade? Seriam eles inatos ou apriorísticos? Teriam sido infundidos no homem pelo sagrado? Qual seu significado? Ideal? Material?

D - Confesso que tais cogitações e perguntas jamais haviam passado por minha cabeça.

M - Guarde-mo-las na memória pois teremos de retornar a elas mais a frente. Por ora basta considerar que existem elementos universais, comuns e estáveis presentes na base da cultura que é a produção da linguagem.

Aqui Descartes: "Pela mesma razão, mesmo se admitirmos que algumas entidades gerais - corpo, cabeça, olhos, mãos, etc) possam ser imaginárias, forçoso é reconhecer que existe um outro gênero de coisas ainda mais simples e universais, que não podem deixar de ser verdadeiras e existentes, coisas essas de cuja participação todas as imagens de nossa mente são formadas... assim a substancialidade dos corpos e sua extensão; e a quantidade ou grandeza expressa pelo número; assim o espaço em que subsistem e o tempo de duração, e ainda algumas outras coisas..." in "Meditações..."

(Assim o Tempo,  o espaço,  a substancialidade,  a extensão,  a partição,  a proporcionalidade, etc E com muito mais razão: o Eu, o ser ou mundo externo e a relação.)
Baseado em Chomsky

Nenhum comentário:

Postar um comentário