quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Criteriologia - Os cinco veículos proximais do critério

Nos próximos capítulos deste manual analisaremos os cinco veículos que embora não possam ser encarados como critérios da verdade conduzem-nos até a verossimilhança, ou seja a periferia da Verdade.

Tais as vias:


  1. A concordância ou assentimento universal por todas as culturas
  2. A experiência sensorial ou a atuação dos sentidos
  3. A correspondência.
  4. A coerência.
  5. O pragmatismo ou a obtenção de resultados práticos.
Quer isoladamente quem em conjunto este cinco veículos testemunham poderosamente a favor de nossa capacidade cognitiva.

Convém pois examina-los e aprecia-los com toda atenção.

Criteriologia - A Intuição como critério da Verdade (Henri Bergson)

D - Há quem como Bergson sustente ser a Intuição o critério mais excelente.

M - Para que algo possa servir de critério ou padrão para qualquer tipo de julgamento é necessário que seu sentido seja simples ou unívoco.

Nada mais vago, equivocado e controverso do que o conceito de intuição.

Tomemos o conceito de intuição proposto por Spinosa e o conceito de intuição proposto por Bergson, isto para sermos sucintos. Temos dois autores e dois fenômenos distintos que recebem a mesma designação...

Caso nos reportemos a outros autores teremos outros tantos conceitos, dignificados, definições controvérsias.

Parece que não estão falando a respeito da mesma coisa.

A intuição é o critério da Verdade??? Neste caso estamos diante de um critério que exige um critério rsrsrs

D - Tomemos a intuição em seu sentido mais geral.

M - Parece-me que o sentido geral tenha sido formulado pelos pensadores escolásticos.

D - Enquanto apreensão imediata da totalidade de um ser ou mesmo de uma relação?

M - Exatamente.

Teríamos assim um conjunto de dados co relacionados que apresentam-se clara e distintamente a consciência sem uma mediação racional, ao menos a nível de consciência.

Assim os primeiros princípios ao axiomas, a respeito dos quais já discutimos.

Tais elementos mostram-se ou revelam-se a consciência em sua totalidade fazendo-se assimilar ou compreender por ela sem necessidade de quaisquer demonstrações.

A matemática clássica parte de tais princípios, os quais parecem estar presentes em todas as culturas, mesmo as mais primitivas.

D - Neste caso poderíamos estar diante do critério.

M - Na intuição certamente temos acesso a algumas poucas verdades. As quais bem poderiam ser encaradas como testemunhos a respeito de nosso potencial cognitivo ou mesmo como fundamento remoto dos demais saberes a serem adquiridos.

Na condição de supremo critério da verdade sequer podemos ver como ela poderia funcionar.

Pelo simples fato de que os dados fornecidos por este veículo são extremamente raros podendo ser contados nos dedos.

A menos que atribuamos a intuição um significado espontaneísta quase que mágico...

Multiplicando-as ao infinito sem que haja algum tipo de presença universal que transcenda as barreiras relativas da cultura muito bem definidas pela antropóloga Ruth Benedict há quase um século.

Um enfoque individualista do conceito de intuição nos levaria a perguntar a respeito de que condições gerais e comuns caracterizam este fenômeno e sobre como alguém pode ter certeza de ter passado por uma experiência intuitiva e não por outro qualquer estado de espírito.

Eis porque, devido a certo sentido lato ou vulgar de intuição, alguns tem cometido crimes e passado as prisões ou manicômios...

D - De fato parece-me que carecemos dum princípio tanto mais claro ou simples quanto universal e seguro.




terça-feira, 13 de agosto de 2013

Criteriologia - O costume e a tradição como critérios da Verdade

D - Alguns tem tomado o costume e a tradição dos antigos por critério da verdade.

M - Em certo sentido o costume tende a padronizar certos tipos de 'relações' testadas, no sentido de que foram bem sucedidas. No entanto parece que ele não vai além das relações pessoais e sociais tocando a natureza do universo ao cárater do ser... por outro lado o costume mostra-se sempre ineficaz quando se trata de obter soluções para novos problemas, isentos de precedente histórico.

Outra característica a ser considerada é que os costumes variam de cultura para cultura na medida em que os grupos sociais são capazes de encontrar soluções diferenciadas para os mesmos problemas; sem que haja qualquer indagação a respeito de qual seja a melhor ou a mais eficaz.

Queremos dizer com isto que a esfera do costume é demasiado limitada além de ser acrítica e ingênua.

D - Em que sentido?

M - Ao membro de uma cultura primitiva qualquer jamais ocorre duvidar dos costumes prevalecentes. Ele jamais haverá de comparar as soluções propostas pelas diversas culturas para descobrir qual seja a melhor ou mais funcional... Levado pelo hábito ele tende a reproduzir mecanicamente aquilo que aprendeu com os ancestrais e a jamais inovar. Eis porque os chineses tendo inventado a pólvora, a bússola, a imprensa e a cédula; não foram capazes de tirar partido de cada uma destas descobertas; porque estavam inseridos numa sociedade absolutamente tradicional que nutria desconfiança por qualquer tipo significativo de alteração.
Acostumados a dinâmica social recebida por tradição os chineses sequer podiam conceber um tipo de sociedade diferente: tudo deveria ser como sempre havia sido.

Implica esta visão em imobilizar as estruturas sociais - mantendo religiosamente a herança legada pelos antigos - e em paralisar a História.

Teríamos aqui uma Sociedade estática em que qualquer tipo de progresso: teórico ou técnico seria encarado negativamente, como uma espécie de ameaça ou heresia.

Implica jamais obter a cura do câncer ou meios de transporte ainda mais ágeis...

D - Adotado o critério do costume ou da tradição teríamos uma sociedade por assim dizer 'mumificada'?

M - Em termos de essência ou de princípios éticos podemos postular criticamente a existência de certa estabilidade cujo valor transcenda as limitações do tempo e do espaço... a realização da essência e a aplicação dos princípios no entanto implicará sempre alguma alteração. Alteração que o padrão do costume sempre se negará a assumir... e que a tradição sempre tenderá a classificar negativamente.

Não se trata aqui de negar ou de repudiar tudo quanto nos tenha sido legado ou transmitido pelos antigos pelo simples fato de que tais conhecimentos tenham sido sucessiva e criticamente testados ou atravessado incólumes o questionamento exercido por diversas gerações...

Na medida em que - após Pitágoras/Tales e mais pronunciadamente, após Aristóteles - parte dos homens passa a exercer crítica face aos fenômenos e que esta crítica assume um aspecto social na medida em que passa a ser exercida por sucessivas gerações de pensadores ou pesquisadores forçoso é concluir que os conhecimentos que resistem a esta crítica contínua e cerrada adquirem credenciais ou garantias de confiabilidade.

Destarte podemos afirmar a existência duma tradição crítica ou dum habito crítico que prolongando-se de geração em geração reforça o sentido da veracidade. Estamos no entanto diante duma aplicação sucessiva e contínua do critério e não do critério em si.

O critério pode e deve subsistir por meio da tradição; no caso duma tradição gnoseológica ou científica - por isso mesmo crítica - enquanto hábito exercido; a tradição no entanto (enquanto 'modo' pelo qual o critério é exercido) jamais corresponderá ao critério em si.

D - Continuemos pois a procurar o critério...

M - Forcejemos por encontra-lo e o encontraremos.

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Criteriologia - A vontade como critério determinativo da Verdade.

D - Há quem presuma ser a vontade o supremo critério porque temos acesso ao conhecimento verdadeiro

M - De fato já na Idade Média nos deparamos com as cogitações de Henrique de Gand e Duns Scot a respeito do primado da vontade no processo cognitivo. Para tais autores no entanto o que esta em jogo é o conhecimento de Deus e da Revelação (sobretudo no que diz respeito a seu aspecto Ético) e não o conhecimento do mundo físico ou natural...

Seja como for tais cogitações foram consideravelmente ampliadas por Tonnies e Wundt partindo de Kant. Estes autores descrevem todo processo intelectual como originário de impulsos de natureza volitiva. Fouillé retomou esta tese em 1893 na 'Psicologia das ideias força'.

Desde então as suposições de Descartes a respeito da autonomia absoluta do intelecto racional tem sido algo de críticas cada vez mais cerradas como a de Antonio Damásio.

D - Importa dizer que há alguma verdade por trás do voluntarismo?

M - A relação existente entre o intelecto racional e a vontade ou a afetividade tem sido cada vez mais salientada por certos pesquisadores como Wallon e Rogers; e não pode mais ser posta em dúvida ou minimizada.

D - Em que sentido?

M - Ao menos quanto a direção daquilo que é analisado e sabido. Embora a vontade - via de regra - não seja capaz de alterar os dados fornecidos pelos objetos postos face ao intelecto é evidente que cabe a ela dispor o intelecto para o objeto a ser conhecido. É a vontade que de algum modo seleciona o objeto do estudo ou do conhecimento.

Por que um escolhe a biologia e outro a sociologia como objeto de pesquisa?

Porque certas situações afetivas dispuseram a vontade para aquele domínio específico.

D - Assim o afeto ou a vontade produzem o que denominamos 'vocação'.

M - Nem podemos duvidar que situações agradáveis suscitadas por este ou aquele tipo de conhecimento sejam capazes de criar certas sinapses ou esquemas neurológicos que disponham a vontade para este ou aquele tipo de conhecimento.

D - Limitar-se-ia o papel da vontade a esta determinação setorial?

M - Além disto julgamos que quanto mais forte seja o amor ou o afeto disposto para um objeto tanto mais forte seja o desejo de conhece-lo ou de investiga-lo. Neste sentido não podemos negar que a vontade exerça um influxo positivo face a aquisição do saber... pois quanto mais alguém amar determinada coisa ou um bem proporcionado por ela, tanto mais se esforçara por compreende-la.

Tal o caso de alguns pesquisadores que dedicaram-se a encontrar a cura ou o tratamento para determinado tipo de enfermidade pelo simples fato de terem perdido um ente querido - um conjuge ou filho - vitimado por ela. Aqui o móvel da investigação e do sucesso obtido foi uma relação afetiva...

De modo geral podemos dizer que o acesso mais fácil para a verdade corresponde ao amor da verdade.

Todavia como só podemos amar aquilo que possui existência real, a pura e simples negação da verdade como objeto real, impossibilita sua apreensão na mesma medida em que nos impossibilita a ama-la.

D - Podemos então dizer que embora a vontade não possa ser levada em consideração como critério para a verdade, encontra-se, apesar disto intimamente relacionada com o processo de aquisição do saber?

M - Podemos sem sombra de dúvida admitir que a vontade impulsiona e orienta o trabalho do intelecto na medida em que direciona-o para este ou aquele objeto e não para outros. Assim cada qual buscara analisar e compreender antes de tudo aquilo que mais ama.

D - Admitida esta premissa segundo a qual o amor orienta o intelecto e aquela outra segundo a qual o fim último de nossa afetividade deve corresponder ao Supremo Ser; não seríamos forçados a concluir, como o homem medieval, que o estudo da teologia ou da teodiceia deve merecer nossa prioridade exclusiva face ao conhecimento científico que diz respeito ao mundo natural?

M - Penso que sustentar a exclusividade ou a prioridade absoluta do conhecimento teológico ou metafísico não corresponda a uma solução satisfatória.

D - E por que?

M - Por que caso compreendamos a existência do mundo natural como algo querido ou desejado pela vontade divina, seremos sempre obrigados a ama-lo, a estuda-lo, a compreende-lo e a conceder a ciência algum espaço em nosso esquema de conhecimento. Afinal na medida em que conhecemos algo querido e desejado por Deus conhecemos o próprio Deus ou a mente de Deus... e do conhecimento a obra ou do corpo passamos ao conhecimento do autor ou espírito.

Não se trata aqui de excluir qualquer tipo de conhecimento, qual seja o conhecimento científico; mas apenas de hierarquizar de modo a que determinado gênero de conhecimento ultrapasse ou complete o outro segundo a grandeza proporcional a seu objeto. Aqui valorizar os saberes teológicos e filosóficos não implica excluir os demais tipos de saber relacionados com a imanência; mas associa-los todos numa construção harmoniosa.


segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Criteriologia - A fé religiosa como critério da verdade

M - A que conclusão havíamos chegado durante o último diálogo???

D - Havíamos constatado que os sentimentos não podem ser considerados como critério apropriado para discernir qual seja a verdade.

M - Cumpre agora dar seguimento a nossa investigação e examinar os demais critérios propostos.

D - Segundo Agostinho, Lutero, Calvino, Montaigne, Jacobi, De Bonald, Maistre, Lammenais, Bonetti, Donoso Cortês, etc o supremo critério da verdade corresponde a fé ou a uma Revelação sobrenatural comunicada por Deus.

Disto decorre que o intelecto seja 'impotente' para aquilatar a verdade.

Deus no entanto comunica ao homem tudo quanto precisa saber ou tudo quanto seja relevante.

Assim o que Deus comunica através do livro (biblismo/protestantismo) ou da Igreja (agostinianismo) é de fato verdadeiro e indubitável enquanto que as demais informações são apenas verossímeis e em certa medida sempre duvidosas.

Eis porque, este padrão religioso tem se mostrado sempre hostil a teodiceia enquanto especulação puramente racional a ponto de denuncia-la em termos até mais enfáticos do que Kant.

Alias o próprio Kant, ideologicamente falando, parece não estar inume ao influxo desta corrente na medida em que bebeu da tradição cultural Luterana.

Consta inclusive que ele expressou-se nos seguintes termos: "Assim debilitamos a razão para enaltecer a fé."

M - Ignoro em verdade se tais palavras foram mesmo proferidas por Kant, reconheço todavia que exprimem adequadamente seu modo de pensar.

Até onde nos é dado saber a 'Crítica da razão pura' não foi publicada 'a esmo' correspondendo antes a uma espécie de 'necessidade' produzida nos círculos intelectuais da Alemanha pela polêmica travada entre Lessing, Jacobi e Mendelssohn a respeito da metafisica racionalista ou mais precisamente da teodiceia - em especial a Spinoza mas também, em certa medida as de Leibnitz/wolff e Descartes - e o Deus da Revelação ou da fé.

Partindo de Descartes e Leibnitz é assaz sabido por todos que Spinoza (que posteriormente serviu de apoio a teodiceia Hegeliana) elaborou uma teoria panteísta ou no mínimo panenteísta (e do nosso ponto de vista em grande parte válida) que escandalizou não apenas a sinagoga mas a cristandade judaizante e tosca como um todo. Esta teoria foi adotada por Lessing o qual buscava de algum modo concilia-la com os principais dogmas do Cristianismo...

De modo geral o próprio Spinoza havia declarado em alto e bom som que seu Deus não correspondia a ideia de transcendência absoluta atribuída aos patriarcas hebreus> "Meu Deus não é o de Abraão, Isaac e Jacó..." são palavras suas...

A Lessing no entanto, como gênio que era, ocorreu a feliz ideia de construir uma síntese semelhante a que Aquino havia construído na Idade Média; embora muitos - como o Pe Lucien de Laberthonière por exemplo - que o 'deus' de Aristóteles jamais haveria de corresponder ao Deus enunciado por Cristo nos Evangelhos.

Para toda a gente tacanha o Deus de Jesus deve corresponder sempre e necessariamente ao deus dos patriarcas ou dos antigos israelitas... então como Aquino, que fora anatematizado pelo chanceler Estevão Tempier de Paris; Lessing teve de fazer frente ao 'fogo' cerrado dos luteranos tradicionais, dentre os quais Jacobi.

Para este Jacobi a especulação puramente racional a respeito da natureza divina conduzia sempre e necessariamente a impiedade de Spinoza ou seja ao panteísmo/ panenteísmo classificado por ele (como a própria teodiceia hegeliana e a teologia do processo) como puro e simples ateísmo ou - como gostam de dizer os ateus - um ateísmo disfarçado.

Diante da argumentação rigorosamente lógica ou racionalista de Spinoza concluiu Jacobi a favor de Lutero contra Aristóteles (O qual para Lutero não passava de um demônio) e Aquino, cuja 'Suma...' fora mandada queimar pelo 'deformador' alemão juntamente com a Bula do papa e as decretais... Para Jacobi a obra de Spinoza era prova contundente de que Lutero não havia errado e que a razão humana é de todo impotente para aquilatar a natureza divina.

Tendo morrido Lessing durante o correr das discussões, foi substituído por um seu admirador, o judeu Mendelssohn que na esteira de Aristóteles e Aquino, Descartes e Leibnitz susteve a capacidade do intelecto para demonstrar a existência de Deus...

Assim foram correndo rios e mais rios de tinta.

Em meio aos quais o luterano Immanuel Kant ergueu a pena em favor de seu confrade ou irmão Jacobi.

Kant e Jacobi nos reportam sempre a tradição anti racionalista vindicada por Lutero, as quais em certo sentido chegam a Ockham e enfim a Agostinho de Hipona (vertente com que se identifica o próprio Montaigne) o qual como sabemos recebeu seu pessimismo antropológico dos maniqueus...

Prolongamento do agostinianismo ou melhor do maniqueísmo; assim consideramos todas estas tentativas desastrosas de abater a razão para sobrepor-lhe a primazia da fé.

D -  De nossa parte convém averiguar se a fé de fato faz jus ao 'status' de critério que lhe é atribuído.

M - Não questiono aqui a simples possibilidade de que a fé, compreendida como os Santos Evangelhos ou a tradição da Igreja corresponda a um conteúdo válido no que diz respeito a esfera da religiosidade.

Agora que corresponda ao supremo critério porque deva ser aquilatada toda espécie ou tipo de verdade parece-me inexato.

D - Por que?

M - Porque até onde nos é dado saber a própria esfera da religiosidade, da fé, dos registros pretensamente sagrados, etc incorpora certos conceitos adrede confeccionados sem discutir a respeito do significado dos mesmos. Noutras palavras; ela parece receber - da natureza ou da profanidade - certo conteúdo já pronto supondo que o mesmo seja verídico sob pena de seu próprio discurso perder o sentido.

É impossível compreender o discurso religioso a menos que suponhamos que ele mesmo, até certo ponto, reconhece a existência e a validade dum discurso exterior a si.

D - Penso ainda não ter compreendido bem.

M - Que o discurso religioso não pretenda demonstrar absolutamente tudo, supondo que alguma coisa 'sobre' ou reste para a natureza racional, infere-se a partir de sua própria base que a divindade. Pois enquanto revelação depende a fé de um Ente ou Ser revelador responsável por comunica-la ao gênero humano.

Ora nem a escritura Cristã e tampouco a muçulmana e a judaica (Evangelhos, Corão e Tanak/Mikra) contem dissertações a respeito da existência de Deus, dando sempre sua existência por admitida ou suposta.

Donde se infere que a fé na comunicação pertinente a natureza e a vontade de Deus, admita ser precedida por um tipo de demonstração racional a respeito de sua existência.

Neste caso a fé religiosa teria seu ponto de partida num elemento de natureza distinta que corresponde a razão ou a teodiceia; e bem poderíamos dizer que a base ou o fundamento mais remoto da fé é racional. Tal o conceito de fé esclarecida, no caso esclarecida pela reflexão ou especulação metafísica.

Quanto aqueles que afirmam o contrário e sustentam que a própria existência de Deus fica de fato subentendida mas igualmente em termos de fé - os fideístas ou tradicionalistas - ignoram ou são incapazes de perceber que se a fé parte da fé ou se esgota em si mesma estamos diante de um círculo vicioso.

D - Não percebo como.

M - Pois afirmamos crer na comunicação de Deus por crermos na existência de Deus e ao mesmo tempo cremos na existência de Deus porque cremos na comunicação de Deus. Cremos que se comunica porque existe e que existe porque se comunica...

D - De fato este tipo de fé parece ser demasiado ingênua ou cega.

M - Nós no entanto sustentamos que embora a comunicação ou Revelação de Deus pertença ao domínio da crença e da autoridade designada, a demonstração de sua existência pertença ao domínio natural da razão.

D - Para tanto deveríamos, no mínimo, demonstrar que certo discurso religioso reconhece as prerrogativas naturais da razão.

M - Tomemos por exemplo o livro dos Cristãos que é o Evangelho (narrativas de Mateus, Marcos, Lucas e João) neles nos deparamos com afirmações semelhantes a esta:

"O verbo se fez carne."

Parte alguma das escrituras no entanto dissertam a respeito do que seja Verbo ou do que seja carne; supondo a existência de conceitos externos a si, no caso válidos e verdadeiros para que o discurso faça sentido.

Nem podemos ignorar que grande parte da Escritura seja formada por juízos: alguns de essência outros de valor...

"Assim a mostarda se converte no maior arvoredo destes nossos campos." declara Jesus Cristo pretendendo com isto exarar uma verdade.

Noutro passo declara ainda: "Deus só é bom."

Mas não expõe o significado da própria bondade.

"Deus é amor." declara o apóstolo.

Mas não define o que seja amor.

Assim recebe a escritura diversos conceitos quais sejam: maior, menor, bondade, justiça, amor, espírito, etc
sem jamais explicita-los no entanto.

Eis porque há tantos e tantos léxicos e enciclopédias bíblicas - assim Russel N Champlin, Gerard Kittel, Mackyntosh/Strong, Schaff, Wicleff, Viney, Brucce, Scott/Lidel - tendo em vista esclarecer o sentido das passagens do Evangelho e do Novo Testamento. Também os judeus mais esclarecidos que desejam compreender com exatidão dos discursos de seus mestres recorrem a obra de Marcus Jastrow enquano os muçulmanos possuem seus Sahis de Muslin, Bukhari, Dauwad, Ibn Maja e Termidi; além dos Tafsir e das Thadib de Al Tabari e das obras de Qutaybah, Al Tabarani e outros.

Ora essas definições todas das quais a fé depende - sob pena de tornar-se incompreensível - mas que não procedem da fé, dão por suposto que o intelecto humano seja apto para apreender certas verdades primárias ou elementares.

Ademais todos os juízos contidos nos livros sagrados remetem como já advertimos noutro capítulo: ao Ser, ao mundo externo e ao princípio de contradição.

D - Sou levado a concordar em gênero, número e gráu.

M - Nem devemos nos esquecer que os escritos dos apóstolos recomendam que o culto prestado a Deus seja de natureza 'racional'; além de incitar-nos a fornecer - aqueles que nos perguntarem - as 'razões' de nossa boa esperança; e nem vemos que uma e outra coisa sejam possíveis caso estejamos de acordo com Agostinho e Lutero a respeito da incapacidade da Razão humana.





sábado, 3 de agosto de 2013

Criteriologia - O sentimento ou da emoção como critério da verdade

M - A que conclusões chegamos na última discussão?

D - Na última discussão concluímos que embora o instinto, definido como reflexo ou tendência natural disposta pela estrutura orgânica do ser, seja útil e benéfico para o que foi disposto: a conservação e comunicação da vida, bem como o aprimoramento da espécie (por meio da sociabilidade e da curiosidade por exemplo); nem por isto pode ser encarado ou considerado como último critério da Verdade já porque não esta posto para a totalidade dos fenômenos que nos cercam, já porque não tem em vista o conhecimento integral de cada fenômeno.

Bom é o instinto para ser empregado em diversas circunstâncias; não no entanto para franquear acesso a todas as categorias de verdades como a metafísica, a ética, a estética, a Histórica ou mesmo a biológica.

M - Uma vez que não podemos contar com os instintos para ter acesso as demais categorias da verdade, que transcendem a conservação e promoção da vida; a que outro critério haveríamos nós de recorrer???

D - Segundo a escola romântica o critério mais adequado, tendo em vista a aquisição da verdade seria o sentimento, compreendido por muitos como a emoção.

Somente aquilo que é capaz de despertar em nós sentimentos nobres, de nos emocionar ou comover deveria ser tido em conta de real ou verdadeiro.

M - Aqui outra meia verdade.

D - Por que meia verdade?

M - Quem de nós haveria de fazer pouco caso dos sentimentos humanos?

Emocionar-se ou comover-se face a dor alheia é nota de alteridade ou empatia.

D - Então porque não podemos adotar os sentimentos como critério da verdade?

M - Primeiramente porque nem todos os seres humanos possuem a capacidade de sentir, a exemplo dos psicopatas.

Num segundo momento porque o sentir esta sempre na dependência de certos princípios e valores.

Assim tantos quantos admitem que os cães e gatos possuem uma alma ou ao menos uma certa capacidade intelectual tendem a comover-se face ao sofrimento experimentado por eles enquanto aqueles que recusam-se a encara-los como entidades dotadas de capacidade intelectual não tendem a experimentar qualquer tipo de sentimento.

Destarte os sentimentos e emoções são sempre relativos a certos princípios e valores transmitidos pela cultura. E neste sentido costumam ser determinados pela cultura... e a variar de cultura para cultura.

A própria alteridade a que nos referimos é uma construção progressiva que se dá na História...

E portanto uma noção que se dá e que se forma no tempo e no espaço.

E que esta voltada apenas para certo aspecto ou parcela da realidade, como seja a convivência humana ou as relações existentes entre os homens de demais seres vivos.

E nem se percebe porque modo ou maneira os elementos químicos ou os estados físicos da água possam dizer alguma coisa em termos de sentimentos humanos...

D - Percebo que os sentimentos e emoções não possuam estabilidade suficiente para funcionarem como critérios determinativos da verdade.

M - Além disto os sentimentos e emoções não possuem acuidade.

D - ???

M - Refiro-me a capacidade para distinguir uma coisa da outra considerando as causas ou fundamentos.

D - Por exemplo.

M - Qualquer um de nós poderia comover-se diante duma situação de injustiça artificial, forjada ou encenada ou mesmo de cultivar sentimentos hostis para com uma vítima que as aparências fizessem parecer culpada.

Quantos de nós não se comovem até as lágrimas diante dum romance como os de Jane Austen  ou Charlotte Bronté e são incapazes de demonstrar qualquer tipo de sentimento face aos detentos massacrados no Carandiru ou dos moradores de rua assassinados em Goiânia??? Quantos não se comovem ante a encenação das obras de Ésquilo, Sófocles ou Eurípedes enquanto assistem impassíveis o massacre de cívis por parte das tropas Norte Americanas no Iraque???

D - Qual a razão disto?

M - A razão é que os sentimentos são, a um tempo,  incapazes de discernir entre uma situação de sofrimentos ou de dor real ou fictícia, e a outro, de averiguar as causas mais remotas... destarte o homem deixa\de ser incomodado ou tocado por uma realidade que é por assim dizer disfarçada ou ocultada para debulhar-se em lágrimas e clamores diante de cenas ou representações que nada possuem de reais.

Para o sentimento é sempre problemático ultrapassar as aparências e assumir uma postura tanto mais crítica.

Podemos acrescentar ainda que o romantismo afasta as massas da realidade cruel face a que deveriam indignar-se na mesma medida em que produz situações artificiais e fictícias destinada a provocar um derramamento inútíl de lágrimas... Destarte o mesmo sujeito que é impactado pela ficção permanece insensível diante da realidade nua e crua da vida vivida...

D - Neste caso que conclusões deveríamos tirar a respeito dos sentimentos e emoções?

M - Enquanto fenômenos que facilitam e enriquecem a convivência humana, sentimentos e emoções são instrumentais preciosos ou melhor indispensáveis. Todavia no que diz respeito a estrutura íntima das coisas e da realidade podemos dizer que são impermeáveis a ação dos sentimentos, os quais permanecem sempre aquém delas... Para que não se percam na superficialidade do sentimentalismo beócio; os sentimentos devem até certo ponto ser balizados pelo intelecto...

Nada nos autoriza a supor que Fleming ou Sabin fossem indiferentes aos sofrimentos humanos dos feridos ou dos paralíticos... no entanto não foi o sentimento nobre cultivado por eles que capacitou-os a descobrir a Penicilina ou a Vacina contra a poliomielite; mesmo admitindo que os sentimentos possam ter servido com o móvel, incentivando-os, devemos considerar que os resultados foram frutos da experiência associada a reflexão.

Aqui podemos e devemos corroborar o veredito de Durkheim: “O sentimento é objeto da ciência, não é critério de verdade científica." diga-se o mesmo da Verdade Filosófica...

Criteriologia - O instinto como critério ou padrão da verdade (Nietzsche)




D - Admitindo-se que existam verdades universalmente válidas e verdadeiras, devemos forcejar para ver se descobrimos qual seja o critério ou o padrão que nos garante um acesso a elas.

M - Antes de apontarmos qual seja o critério mais seguro face a aquisição da Verdade, devemos saber que no correr dos tempos diversos tipos de critérios foram propostos por diferentes pensadores.

Convém portanto analisar detalhadamente cada um deles.

D - Neste caso qual seria o primeiro critério proposto?

M - O primeiro critério é o instinto.

Assim para Nietzsche a verdade não existe enquanto relação sujeito - objeto mas apenas e tão somente 'Enquanto conserva e propaga a vida.' . E o instinto que esta por trás de cada juízo... Aqui - e Nietzsche repete-o insistentemente - nada há de racional, impessoal ou objetivo. Estar consciente não se opõem de modo decisivo ao que é instintivo e, no mais das vezes, o pensamento consciente de um filósofo é secretamente guiado e plasmado pelo instinto.

D - Temo não saber exatamente que seja instinto, julgo no entanto que se trate dum comportamento 'inato', espontâneo e irracional; uma espécie de reflexo em termos fisiológicos.

M - De fato nem se pode negar quão vaga e de certo modo confusa seja a noção de sentido em que pesem as experiências de Lorenz, Seitz e Tinberger.

Durante séculos foi admitida a existência duma certa disposição natural e portanto inata, para que os diversos tipos de seres vivos agissem teleologicamente ou seja tendo em vista um determinado fim ou uma determinada meta, qual seja, por exemplo, a conservação da vida.

Assim podemos falar no instinto de conservação e no instinto de reprodução; o primeiro relacionado com a busca pelo alimento e temperatura adequados a manutenção do metabolismo e o segundo relacionado com a busca por um parceiro tendo em vista o acasalamento e a continuidade da espécie.

Tudo quanto era executado pelos animais tendo em vista a consecução de tais fins e excluída, premeditadamente, a simples possibilidade de cálculo; era creditado na 'conta' dos instintos.

E por assim dizer tinham eles costas largas e uma certa conotação mágica...

Destarte postularam alguns a existência de um instinto da guerra - Von Moltke - e outros uma espécie de instinto religioso; presentes na natureza humana...

Enquanto outros, tendo em vista os 'problemas' acima elencados; sustentam que o termo deveria ser posto de lado.

D - E substituído porque?

M - Por reflexo no que diz respeito a estruturas de comportamento, em tése, geneticamente herdadas (Pavlov, Skiner, Piaget, Chomsky, etc) pelos membros da espécie; as quais determinariam a direção a ser seguida mas não o conteúdo em si & por percepção ou experiência no que diz respeito aos conteúdos adquiridos.

D - No caso poderíamos, seguindo Henry James, definir a sociabilidade humana como uma espécie de instinto ou de reflexo de alguma maneira impresso ou gravado em nosso aparelho cerebral e consequentemente como uma tendência determinada por nossa condição?

M - A própria curiosidade é certamente um instinto comum a espécie e por assim dizer, o motor de nossa vida intelectual.

E podemos admitir e dar por certo que a supressão dos instintos ou reflexos - como a sociabilidade e a curiosidade - implicaria a extinção do gênero humano.

Apesar disto penso que não seria prudente adotar o 'instinto' ou o reflexo como padrão para todo tipo de verdade.

D - E por que?

M - Porque uma enorme gama de fenômenos externos escapa ao domínio ou a esfera de nossos instintos e tendências.

Assim se o instinto é bom para te fazer obter água em caso de necessidade é de todo inútil para te revelar ou para te dizer qualquer coisa a respeito da natureza da água

Eis porque faz parte da condição humana sobrepor o intelecto ao instinto ou submeter os reflexos e tendências procedentes da vitalidade a princípios e valores de natureza extrínseca e ideal aquilatados pela mente. Porque o instinto te leva apenas a fazer uso ou a empregar enquanto os sentidos e a mente te levam a saber ou conhecer...

É o instinto um usar enquanto o intelecto é um decifrar...

E o decifrar amplia as possibilidades do usar.

Porque o decifrar nos mostra ou revela a estrutura íntima do ser...

Somente assim podemos compreender o fenômeno do martírio.

Não nos referimos aqui apenas e tão somente a experiência porque passaram cerca de sete milhões de Cristãos, em sua maior parte Ortodoxos, nos primeiros séculos desta nossa Era; mas a toda e qualquer experiência em que homens como Sócrates ou Bukharin abriram mão da própria vida tendo em vista uma determinada crença, ideia ou padrão comportamental.

Aqui os reflexos ou instintos determinados pelo organismo tiveram de ceder a uma certa concepção de verdade pela qual bem valia a pena morrer.

Aqui a coerência arrostou não só a morte mas a própria dor e o sofrimento...

Eis porque diziam os antigos, os sábios como Zenão, Sócrates, Epicteto, etc haviam 'violado' e vencido a própria natureza; merecendo os aplausos de toda humanidade.

No entanto, caso os instintos devam ser encarados como critério supremo de toda verdade não poderíamos deixar de encarar Zenão, Sócrates, Rufo, Epicteto, Jesus, Vanini, Bruno, Bukharin, e tantos quantos preferiram a morte face a negação de suas convicções; como idiotas ou depravados.

Na medida em que ousaram resistir aos apelos do instinto.

Assim, se o instinto é de fato válido em sua esfera que é a conservação da vida; não deixam de existir princípios, valores, crenças e ideias superiores ao instinto e pelas quais não sendo possível viver bem lave a pela morrer ou deixar-se matar.






sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Livro II - Do critério da verdade e da aquisição do saber> O antropocentrismo - subjetivismo gnoseológico

Nas civilizações e culturas primitivas todas as coisas giravam em torno dos deuses, numa perspectiva mágica.

E os deuses eram, por assim dizer, o 'critério' de todas as coisas. Tal o cárater do teocentrismo.

Dia houve porém em que o fetichismo foi substituído por uma visão de mundo tanto mais realista, a qual de certo modo, afastou - e com razão - para longe da maior parte das mentes a ideia de um deus interventor ou dum deus que atua diretamente e imediatamente sobre cada fenômeno natural. Desta purificação no que concerne a ideia de Deus - a qual se tornou bem mais exata - resultou a ideia do antropocentrismo, na medida em que o homem é reconhecido como agente que executa alguma coisa, como a organização social por exemplo, o ou que toma parte - como agente - no processo histórico; ou ainda como personalidade ética responsável por suas ações.

É evidente que ao menos parte destas revindicações são justas e válidas.

Fica mesmo difícil negar que o homem seja ao menos um dos pólos da organização social, política e econômica bem como do universo valorativo.

O que significa conceder-lhe certo centralismo.

Sucedeu-se no entanto com o elemento humano o mesmo que se sucederá antes com o elemento divino.

Destarte tal e qual o elemento humano era anulado ou negado diante do elemento divino passaram os homens a ignorar não só o elemento divino (aqui nos referimos apenas ao campo da ética) mas, o que é dramático, o elemento natural ou material em que o home, por assim dizer, subsiste.

Foi o homem convertido numa espécie de deus e como tal posto em meio as nuvens ou o nada; como se possuísse poderes mágicos ou miraculosos sobre a natureza.

Em termos de ciência vimos o antropocentrismo degenerar numa mística positivista por meio da qual a técnica passou a ser encarada como uma espécie de santo graal da modernidade.

Em termos gerais no entanto vimos que no exato momento em que Deus e outras entidades sobrenaturais eram destronados pelo homem, a própria terra - enquanto substrato, espaço ou habitat do homem - era destronada enquanto centro do universo... até que o próprio sistema solar e nossa galáxia foram relegadas a periferia de um universo imensamente gigantesco...

Assim a terra, morada do homem, passou a ser vista como uma espécie de grão de pó na orla do Saara... para não falarmos neste 'vírus' chamado 'homo sapiens'... o qual tendo eliminado - e com razão - e ideia de um espantalho interventor, julgou pode ocupar seu lugar enquanto centro de todas as coias e o último biscoitinho do pacote rsrsrsrsrsrsrsrs....

Com Stirner, Rand e outros sofistas, pretendeu o homem, excluir em absoluto a necessidade do elemento divino no plano ou campo da ética, relegando todos os princípios e valores que regem a convivência humana a sua vontade livre (tal o cárater da escola individualista)... Kant no entanto - na odiada 'Razão prática' - havia já esgotado o assunto, quando a necessidade imperativa dum Legislador externo cuja natureza transcendesse as motivações individuais ou partículares... de modo que o príncipe da literatura russa pode registrar: "SE DEUS NÃO EXISTE TUDO É PERMITIDO." fazendo - até certo ponto - éco aquele francês que século antes exclamará: "SE DEUS NÃO EXISTISSE PRECISARIA SER INVENTADO".

Que o homem, enquanto ser livre, corresponda a um dos pólos da vida moral é para nós ponto pacífico. Que constitua seu único centro ou critério absoluto... parece-nos no mínimo problemático.

Outros, após terem excluído - e com razão - o providencialismo PARALELO e quase mágico de um Bossuet cairam no erro não menos funesto de converter o mesmo homem em centro do processo histórico numa perspectiva que já foi classificada como idealista, voluntarista ou romântica; primeiramente pelo materialista Karl Marx (de certo modo retornando ao realismo aristotélico) em termos de sociologia e em seguida pelo Cristão Vidal de La Blache, em termos de geografia (mas também de história e sociologia) com o possibilismo... e em seguida com muitos outros autores interacionistas, que encaram a ação humana em comunhão ou relação com o meio e o meio como elemento a ser considerado face a ação humana, já como facilitador, já como limitador...

Sucessivamente foi o homem obrigado ou melhor constrangido a abrir mão de suas pretensões megalopáticas enquanto centro exclusivo disto ou daquilo para reconhecer a si mesmo como mero pólo inserido num esquema relacional... como Deus e homem (ética) ou Mundo e homem (sociologia, história, etc) ou como ínfima partícula em termos astronômicos...

Em suma, certa compreensão ingênua, ou melhor, versão (ou distorção) do antropocentrismo, tornou-se por assim dizer ridícula...

De campo em campo, de domínio em domínio, de área em área teve o homem de partilhar seu espaço e de reconhecer a si mesmo como parte ou parcela dentro dum processo muito mais amplo e complexo.

Os homens de escol, em geral não viram maiores problemas em limitar as pretensões da espécie e, alguns, fazendo alguma confusão, chegaram a postular a morte do humanismo ou, melhor dizendo dos humanismos; mesmo quando, imediatamente falando, o foco aqui é o antropocentrismo...

O homem medíocre todavia optou por resistir, inconscientemente talvez e sentou praça por assim dizer nos redutos do individualismo, subjetivismo, relativismo, idealismo, voluntarismo, etc não só no campo da ética ou da sociologia mas inclusive no campo da gnoseologia...

Na medida em que certa escola contínua ignorando supinamente a existência da coisa ou do objeto externo e afirmando o homem como critério absoluto ou suficiente da verdade. Afirmação pela qual converte-se o mesmo em centro do processo cognitivo...

E como a humanidade realiza-se em seres particulares ou em indivíduos; torna-se a verdade relativa a cada um deles e cada um deles passa a possuir a 'sua verdade'... Destarte já não há verdade una ou absoluta que possa ser percebida ou captada por toda espécie enquanto manifestação dum objeto que se lhe revela.

Nada que transcenda o palmo do nariz ou a esfera do partícular. Assim o que é verdade para o Aparício é encarado como erro por Roberto e o que é falso para Maria é sustentado como verídico por Lúcia sem que uma das partes esteja equivocada!!! Mauro afirma ser esta tela retangular, Carlos que é esférica e nem por isto algum deles pode estar errado pois cada qual possuí sua verdade: a verdade do Mauro e a verdade do Estevão... aqui o individuo é o critério da verdade.

Diante disto algum insolente pergunta a si mesmo: E o objeto??? Qual a cor, a forma, o peso, etc do Objeto???

Aqui o vezo antropocêntrico faz com que a outra parte da relação - a coisa ou o objeto a respeito de quem se fala - é supinamente ignorado, desprezado ou posto de lado.

E por que?

Simples: Porque se o objeto deve ser considerado e encarado como critério ou algo a ser examinado, os juízos contraditórios ou opostos a respeito deles podem ser encarados como verdadeiros ou falsos na medida em que correspondem ou não há uma qualidade que se faz presente ou ausente nele. Aqui o juízo partícular já não corresponde a última instância ficando sempre subordinado a evidência que procede do objeto... e como tal dependente do objeto.

Então o homem não é mais centro e sim pólo, numa relação de diálogo com o objeto.

Objeto que em certo sentido e medida tenta compreender, assimilar ou absorver intelectualmente.

Aqui a dificuldade; pois homens há que não desejam partilhar seu 'status' deixando de serem centros...

Face as decorrências desta perspectiva o subjetivismo/relativismo constitui excelente recurso.

Correspondendo mais uma vez a uma certa ideologia ou ideia preconcebida: aqui o antropocentrismo crasso ou o individualismo...

E sequer podemos duvidar de que o simples ato de encarar-se a si mesmo como centro do processo cognitivo seja tão lisongeiro ou gratificante quanto encarar-se como centro do sistema solar ou do processo histórico. Aqui ainda resta algo como que para 'consolar' o homem... 

Batido nas esferas da astronomia, da ética, da história, da sociologia, etc vem o bicho homem refugiar-se no regaço materno da gnoseologia e revindicar sua soberania...

Por meio do discurso subjetivista/relativista massageia o homem seu égo e infla ao máximo sua consciência...

Eis porque é tão difícil discutir ou dialogar com este tipo de gente que acredita ser construtor de suas próprias verdades individuais; pois implica JAMAIS CONSIDERAR-SE ERRADO!!! JAMAIS RECONHECER SUAS LIMITAÇÕES!!! JAMAIS ERRAR!!! ESTAR SEMPRE CERTO E EM POSSE DUMA VERDADE (mesmo sabendo que não é absoluta ou válida para os demais)...

Trata-se evidentemente dum discurso agradável, que fala as necessidades afetivas do homem e que mexe com sua vontade. Vontade, que no dizer do teólogo, é sempre irrefutável.

Angustioso saber que a solução subjetivista/relativista separa os homens ou os representantes da espécie na medida em que nega que a verdade una e absoluta possa ser partilhada pelos homens e que os homens possam estar de fato unidos pela posse de um determinado tipo de conhecimento e que este determinado tipo de conhecimento possa servir como 'elo de ligação' entre diversas pessoas...

Assim se perde de vista a comunhão que procede da posse da verdade objetiva pelos diversos sujeitos... e de algum modo fica como que enfraquecida a unidade ou a solidariedade humana.

Já aqueles que adotam o padrão da objetividade, abrem-se a possibilidade de que a posse da verdade venha a ser mais um elemento agregador ou unificador dos seres humanos, consolidando os laços da solidariedade. E irmanam-se fraternalmente na posse do conhecimento recebido...


quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Conclusão a respeito do ceticismo

M - Caro filho, a que conclusão chegastes a respeito do ceticismo?

D - Compreendi que o ceticismo implica antes de tudo uma visão ou melhor uma apreciação negativa ou pessimista do sujeito face ao potencial cognitivo do intelecto.

Antes mesmo de examinar o assunto o cético dá a questão por encerrada e 'afirma' categórica e aprioristicamente a incapacidade do intelecto para apreender a verdade ou a inexistência da verdade.

Ele sequer se dá ao luxo ou trabalho de argumentar uma vez que argumentar supõe alguma capacidade racional.

O cético coerente limita-se a cruzar seus braços e a cultivar uma espécie de mutismo ou quietismo a nosso ver bastante comodo.

A menos que se esforce por argumentar, atraiçoando; neste caso, os princípios de busca defender.

M - Numa perspectiva filosófica como poderíamos avaliar o ceticismo?

D - Constitui o ceticismo negação apriorística e arbitrária a simples possibilidade de filosofar, uma vez que o ato de filosofar é por assim dizer 'O ato mais nobre exercido pela razão'.

Neste caso abdicar do intelecto implica fechar-se a construção da Filosofia.

Ser cético, e recusar-se a argumentar ou a refletir, é recusar-se a filosofar. Neste caso o ceticismo só pode ser encarado como um obstáculo.

O mesmo pode ser dito sobre o ceticismo face ao conhecimento científico na medida em que a validade/veracidade deste também é contestada pelos paladinos da 'escola'.

M - Qual a atitude do ceticismo face a vida?

D - Fenômeno curioso este do cético furioso face a especulação ou a 'teoria pura'.

Afinal não existe teoria que supere o ceticismo em termos de teoria...

E podemos classifica-lo como sendo a fina flor da especulação.

M - E por que?

D - Porque cético algum faz profissão de viver em conformidade absoluta com seu ceticismo ou de po-lo em prática.

De fato o ceticismo não pode ser 'testado' ou verificado. Em termos de funcionalidade ele sempre falha, miseravelmente...

Nada além de belos discursos, palavras bonitas, expressões buriladas, construções pomposas e repolhudas... enfim magnífico exercício de retórica que jamais saí do papel, dos livros, dos ensaios, das discussões acadêmicas... e que jamais realiza-se no viver vivido...

Aplicação real ou existência no plano da concretude o ceticismo não tem.

Pois todo mestre em ceticismo, a começar por Pirro, é constrangido a viver como dogmático, encarando as coisas como realmente são ou como se realmente fossem reais.

E não pode duvidar de tudo sem expôr a própria vida, o conforto, a dignidade...

E podemos dizer que cada ação realizada por eles é uma negação do credo que professam.

E que do ponto de vista da vida o ceticismo é um verdadeiro fracasso.

M - Ao menos enquanto teoria é o ceticismo convincente?

D - De modo algum é convincente, mesmo enquanto teoria pura, pois quantas vezes não é flagrado o cético construindo juízos???

E reconhecendo implicitamente os tipos do SER, do EU e do MUNDO EXTERNO.

Bem como o princípio da contradição.

Os quais emergem espontaneamente de seu ser, sem que a vontade ou a ideia fixa possa impedir.

Evidenciando que o próprio intelecto reconhece sua capacidade para a verdade, dando testemunho a respeito dela ou mostrando-a, e excluindo a necessidade de qualquer tipo de demonstração.

Ao elaborar qualquer tipo de juízo, inclusive o juízo favorável ao ceticismo, dá o intelecto a compreender que ao menos algumas coisas básicas ou elementares saber com certeza plena e indubitável.

Implodindo o ceticismo pela base e revelando-o como mera construção artificial e forçada da vontade.

M - Que lição deveríamos tirar dos argumentos lançados pelos defensores do ceticismo?

D - Diante dos argumentos emitidos pelos defensores do ceticismo deveríamos cultivar uma sábia prudência.

M - Que vem a ser uma sábia prudência?

D - Consiste a sábia prudência em averiguar quais sejam os limites do intelecto humano, isto é, em avaliar sua capacidade e em averiguar qual deva ser o caminho ou método a ser trilhado por ele.

Implica isto em considerar que mesmo sendo hábeis para saber ou adquirir conhecimentos dignos de serem afirmados como verídicos não deixamos de ser limitados.

Isto que dizer que jamais haveremos de conhecer ou saber tudo esgotando a verdade.

Nossos conhecimentos ainda que verdadeiros serão sempre parciais e sempre ignoraremos muito mais do que saberemos.

Também devemos saber que por ação da vontade o aparelho cognitivo é suscetível de erro e que o erro, por falta de educação ou preparo, é um fenômeno demasiado comum.

Podemos até reconhecer que mais erramos do que acertamos.

Portanto nosso dogmatismo jamais deverá ser ingênuo, supondo fácil a tarefa de atingir a verdade.

Antes deverá ser suave ou melhor dizendo crítico o nosso dogmatismo reconhecendo o quanto é difícil para o homem adquirir algum conhecimento valido e exato.

É necessário que o pesquisador realista tenha sempre diante das vistas as dificuldades do percurso ou do trajeto; para que vindo a errar diversas vezes não se sinta desestimulado...

No frigir dos ovos nem chegaremos a saber tudo ou mesmo muito nem obteremos o conhecimento facilmente ou seja, sem depreender maior ou menor esforço.

Eis o que denominamos 'sábia prudência': conhecer nossa própria limitação ou fragilidade e adotar uma postura crítica.

M - Em termos de um ceticismo metodológico???

D - Aqui temos um ceticismo utíl e proveitoso na medida em que exerce controle sobre a qualidade do saber obtido pondo-se a serviço da Verdade.

Na medida em que a duvida ou a hesitação constrange o pesquisador ou o intelectual a pesar as evidências e argumentos até solucionar todas as objeções lançadas; só após o que ele afirmará algo e antes do que nada afirmará.

Ceticismo positivo ou benéfico implica justamente em avaliar as objeções e encontrar respostas satisfatórias para cada uma delas...

M - Como imaginar todas as objeções possíveis ou pesar todos os argumentos lançados???

D - Aqui entra justamente o papel da sociedade/comunidade; seja a acadêmica ou não.

Ocorre-nos o rifão popular: "Muitas cabeças pensam mais do que uma."

De fato a verdade seja especulativa/metafísica ou empírico/científica é sempre uma construção social, coletiva ou comunitária, e jamais uma construção individual ou isolada.

Em termos de ciência propriamente dita devemos considerar que Newton partiu de Kepler, este de Galileu, este de Copérnico e este de matemáticos árabes e gregos e que cada um deles sofreu impugnações por parte de seus adversários, partidários do sistema ptolomaico então predominante.

Foi um amplo debate acadêmico que prolongou-se durante séculos: um século para Copérnico, um para Galileu e Kepler e outro finalmente para Newton...

Constitui a comunidade acadêmica ou intelectual um imenso filtro pelo qual as hipóteses passam ou são retidas ao cabo de gerações. Na medida em que as inúmeras objeções formuladas pelos opositores vão sendo dirimidas os fatos, leis ou teorias vão obtendo mais e mais consistência. Até que novas objeções deixam der ser produzidas e a realidade do fenômeno ou a percepção de sua estrutura torna-se manifesta: assim a lei da gravidade, a lei da conservação da matéria ou a teoria da evolução dos seres vivos...

Então devemos compreender a obtenção da verdade como uma marcha que se faz junto ou como um caminhar da própria espécie humana.

A lógica de Aristóteles, as dissertações metafisicas de um Descartes ou de um Spinosa; as lei de Gay Lussac, os princípios enunciados por Gregor Mendel ou a teoria do Big Bang são por assim dizer patrimônio cultural de toda humanidade.

M - Denota o ceticismo alguma formulação ideológica?

D - Na medida em que renunciamos ao conhecimento da realidade, renunciamos consequentemente a uma possível transformação da mesma pois para transformar é necessário antes de tudo conhecer.

Neste caso, na medida em que recusa-se a transformar ou mudar certa situação de mundo é evidente que o ceticismo favoreça a situação ou 'status quo'. Neste sentido podemos e devemos classifica-lo como um aliado, mesmo que ingênuo, do conservadorismo...

Trata-se aqui - e mais uma vemos pensamos o ceticismo em comunhão com o relativismo, idealismo, subjetivismo, voluntarismo, etc - de mais uma forma de alienação com que a estrutura social vigente procurar defender-se face aqueles que pretendem não só conhece-la, como avalia-la em termos duma ética ou axiologia ideal, e altera-la.

Para o cético a realidade de diversas situações humanas, como a miséria, a dor, a morte, a violência, a indignidade, etc é perfeitamente questionável e isto não pode deixar de beneficiar o comodismo. Pois sempre poderei estar diante de ilusões ou peças pregadas por minha própria mente...

Eis porque o marxismo, tal e qual o Cristianismo Católico Ortodoxo, empreende uma luta titânica a favor do dogmatismo, do realismo e do objetivismo; na medida em que pretende saber o mundo, julga-lo e alterar sua estrutura. O marxismo só pode afirmar a sí mesmo como solução válida para os problemas sociais na medida em que reconhece a realidade de tais problemas; o que implica, por necessidade, a adoção duma epistemologia dogmatista, realista e objetivista.

Aqui, neste terreno, Ortodoxia e marxismo caminham juntos, pois também o Cristianismo na medida em que propõe-se  a sanar ou superar situações de maldade/pecado; deve suster que tais situações sejam reais ou verdadeiras e não ilusórias (como sustentam a 'Ciência Cristã', a Sei cho no ie, etc).

Ademais pretende o Cristianismo Católico Ortodoxo, informar-nos ou fornecer-nos dados reais a respeito de Deus e do mundo invisível - Dai: Trindade, Encarnação, Restauração universal, Igreja, Sacramentos, etc - e não suposições ou hipóteses que deem espaço a qualquer tipo de dúvida; eis porque desde o século VIII adotou S João Damasceno o método Aristotélico pressupondo a veracidade de sua formulação epistêmica: dogmatista, realista e objetivista; a única que satisfaz aos objetivos e propósitos da mensagem Cristã em termos Católicos ou de Ortodoxia.

Furado este barco, tudo vai ao fundo: O Cristianismo Ortodoxo enquanto revelação divina e 'modus vivendi' (ética); o marxismo e todas as formas de socialismo e a ciência com a mística positivista tecida por Comte. Adotados os princípios de Pirro ou Hume nada resta em termos de religiosidade, de ética social ou mesmo de ciência positiva convertendo-se todo conhecimento humano em especulação frívola e tosca.

E já sabemos porque Karl Popper, retornando a Hume, referiu-se a teoria marxista, a psicanalise e ao evolucionismo como a crenças que em nada se distinguem da astrologia; e porque a astrologia, o criacioburrismo, o discurso fetichista, etc aspiram apresentar-se < na esteira do mesmo Popper > como teorias científicas...

Destarte pode o ceticismo ser revindicado pelo sistema econômico vigente, pela superstição, pela 'ética' individualista, etc como uma forma de proteção ou de defesa.

E nós podemos avalia-lo como uma crença que nivela todas as coisas...

E apenas por isto descarta-lo...

M - De fato, assumido o ceticismo até as últimas consequências e jamais poderíamos ter certeza a respeito dos crimes cometidos por Hitler ou Mengele... o maníaco do parque ou Richthofen. Historicamente poderíamos por em dúvida tanto o genocídio dos indígenas Norte Americanos narrado por Dee Bronw, quanto o genocídio armênio ou o Holodomor... geograficamente poderíamos negar tanto os períodos glaciais quanto o aquecimento global...

E o mundo seguiria confortavelmente por um rumo que nem sempre é bom...

D - Eis porque, de minha parte, dou por seguro e certo que, empreendendo certa medida de esforços alguma coisa o homem poderá vir a saber e a fazer.



sexta-feira, 26 de julho de 2013

Respostas as opiniões formuladas pelos céticos

D - "Todavia... tenho o costume de dormir; e que me represento em sonhos as mesmas coisas do que esses dementes quando encontra-se acordados. Quantas vezes não sonhei que estava aqui como agora estou, assim vestido frente a lareira com uma folha de papel entre as mãos quando de fato encontrava-me despido e deitado sobre minha cama dormindo??? Parece-me, não há dúvida, que não é com os olhos adormecidos que estou enxergando este papel e que esta cabeça que estou a abanar não se encontra apoiada; que é de propósito deliberado que estendo minha mão; e que a estou sentindo; e tudo quanto se me sucede nos sonhos não me parece assim tão claro e tão distinto, como tudo isto que agora ocorre. No entanto, pensando cuidadosamente o caso, recordo-me de muitas vezes ter sido enganado, quando dormia, por semelhantes ilusões. E tão manifesto se me vai tornando, ao pensar nisto, o não existirem indícios seguros para distinguirmos o sono da vigília, que me vou sentindo cheio de pasmo - pasmo que por pouco me persuadiria de que estou em verdade adormecido.

Suponhamos, pois, que nos encontramos adormecidos; e que todas aquelas particularidades - a saber: que abrimos os olhos, que abanamos a cabeça, que estendemos as mãos, e que coisas tais - são só ilusões; e pensemos que as mãos, e todo o corpo, não são talvez como nós vemos. Todavia, cumpre pelo menos reconhecer que as coisas que nos representamos nos nossos sonhos são como painéis e pinturas, isto é, formadas pela semelhança com as coisas reais, verdadeiras; e assim, dir-se-a que pelo menos as coisas gerais (a saber: olhos, cabeça, mãos, pés, etc) não são imaginárias mas verdadeiras e existentes; pois os pintores, ainda quando procuram com engenhosidade, representar sátiros e sereias, não podem lhes conferir formas e naturezas que sejam completamente novas; mas fazem uma mistura ou associação quanto as formas de diversos animais; ou então, cas possuam uma imaginação tão fértil a ponto de produzir algo que jamais tenha sido visto, e que suas obras representem algo de puramente fictício ou fabuloso; ainda as cores de que se revestem tem de ser verdadeiras..." Descartes in "Meditações..."

M - Sinto cheirinho de "Matrix"??? (Na acepção comum ou mais vulgar)

D - Então suponhamos que estamos enclausurados em incubadoras gigantescas vivendo uma vida meramente virtual ou imaginária... ou que estamos presos dentro de uma gigantesca caverna contemplando 'sombras chinesas' refletivas no fundo.

Aqui o guia pode ser tanto Descartes quanto Platão, Avenarius, Mach ou Husserl; e você pode escolher estar na HD de um computador, numa caverna ou num sonho...

M - Apreciemos antes de tudo a possível resposta fornecida pelo próprio Descartes:

"Em particular a incerteza geral no que diz respeito ao sono, que eu jamais poderia distinguir da vigília. Pois agora, com efeito, encontro uma diferença notável: é que nossa memória jamais encadeia os sonhos uns com os outros de forma sequencial e tendo em vista formar um conjunto; o que no entanto é característico da vigília. Assim se um objeto ou coisa qualquer desaparecesse subitamente diante de meus olhos ou se me manifestasse bruscamente como saído do 'nada'; teria indício seguro e certo de estar sonhando ou produzindo uma imagem artificiosa. No entanto quando percebo qualquer coisa em conexão com o local donde vem, o momento em que apareceu, sua origem ou sentido; e sobretudo quando posso relaciona-la com o conjunto de minha própria vida; posso intuir que estou muito bem acordado e não dormindo." Id, ibd

Nem podemos estar em desacordo com Descartes pelo simples fatos de sermos perfeitamente capazes de formular os conceitos relativos de sonho e vigília.

De fato não temos como conceber o sono ou o sonho exceto em oposição a vigília/realidade.

Caso não existisse uma realidade qualquer como poderia haver sonho???

D - De fato não negamos que a realidade exista. Ela de fato existe em si mesma, o homem no entanto, jamais tem acesso a ela, jamais entra em contato com ela, jamais a percebe...

Vive pois num estado de sono ou sonho eterno.

M - Como a bela adormecida antes de ser beijada pelo príncipe?

D - Jamais beijada pelo príncipe.
     
O homem jamais desperta de seu sono.

M - Um sonho em que sonhamos... Interessante.

No entanto, caso o homem jamais tivesse qualquer tipo de acesso a realidade, como seria capaz de concebe-la? Pois como já foi dito só temos a experiência do sono/sonho só existe em oposição a experiência da realidade.

Considere que na 'matrix' o 'sono/sonho' é posto a luz porque ao menos algumas pessoas tiveram acesso a realidade... o mesmo se pode dizer da caverna de Platão; a caverna é reconhecida como tal por aqueles que dela saíram...

Postular a existência dum sonho contínuo, sem contrapartida e do qual jamais se pode sair é converte-lo em realidade e supor uma realidade jamais averiguada é transforma-la em sonho...

D - Então consideremos apenas a dificuldade que temos para saber quando estamos sonhando e quando estamos acordados.

M - Penso que Descartes tenha já esgotado o assunto.

Vejamos porém, se a luz da psicologia contemporânea podemos acrescentar alguma coisinha.

Os sonhos de modo geral, na medida em que encontram-se no acesso direto da vontade, caracterizam-se pelo aspecto mágico ou improvisado. As coisas simplesmente acontecem... objetos aparecem em cena sem maiores explicações e nem temos como saber o que sucedeu antes.

Tendo em vista esse aspecto predominantemente mágico do universo onírico algumas pessoas tem sido capaz de perceber que estão sonhando. E diante disto de controlar seus próprios sonhos e de reverterem pesadelos inclusive...

Não se trata aqui de acordar e ter ciência de que teve um sonho; partindo da realidade, mas de perceber-se sonhando no próprio sonho ou seja, fora da realidade.

Alguns psicólogos inclusive chegaram a elencar certas características comuns, típicas dos sonhos, em oposição a realidade.

Como o traçado invariavelmente diagonal do calçamento das ruas e dos pisos... em contraposição do quadrangular e retangular predominantes no 'mundo real'.

Também é evidente que só experimentamos despertar dos sonhos; jamais da realidade externa na qual e para a qual nos sentimos despertar...

Por outro lado, como foi salientado por Descartes, a solução de continuidade que experimentamos quando despertos; face a descontinuidade absoluta apresentada pelo fenômeno onírico, parece marcante.

A vida parece sempre mais consistente porque prosaica e sequencial... o mundo dos sonhos é tanto mais disperso, variável, conveniente e redutível ao controle subjetivo.

D - ...






domingo, 14 de julho de 2013

Respostas as opiniões formuladas pelos céticos

D - "Não se pode compreender a coisa nem com base em si mesma nem com base em qualquer outra coisa." Pirro in Hyp I, 178 Alias "É impossível constatar se entre o ideal e o real existe alguma ponte ou 'elo de ligação'"

M - E por que?

Porque nem podemos entrar nas coisas, nem somos capazes de nos transformarmos nelas; alega o cético.

E porque a maior parte delas sequer pode falar e por assim dizer comunicar a outro ser, algum tipo de informação sobre si.

Pode no entanto suceder-se que as coisas, de algum modo, possam sair de si mesmas e comunicarem-se ou manifestarem-se a outros seres...

Caso consideremos a espécie humana em particular não há como negar a existência de uma linguagem comum que possibilita uma troca de experiências. Falamos e pela fala, comunica-mo-nos e pela comunicação compreende-mo-nos... na medida em que manifestamos nossa consciência aos demais e V V.

Mesmo as coisas imateriais manifestam-se de algum modo e dizem algo a respeito de si na medida em que produzem sons, odores, linhas ou cores peculiares ou característicos. E este ato de produzir ou de fornecer dados de natureza sensível é um comunicar-se, um manifestar-se, um revelar-se aquele que recebe tais dados...

É como se o objeto pudesse dizer: possuo esta capacidade, esta cor, esta forma, este sabor, esta textura; e a combinação de tais dados torna-me diferente de todos os outros; logo, identificável.

Existe pois uma ponte ou 'elo de ligação' entre o objeto e o sujeito cognoscente e este elo são as qualidades sensíveis, que dele, por assim dizer, procedem por emanação.

D - Como no entanto saber se as tais qualidades sensíveis informam-nos com exatidão a respeito da realidade externa a nós?

M - Por meio do teste ou da funcionalidade.

D - Penso não ter compreendido bem.

M - Suponhamos que eu tome em minhas mãos um lápis e ter pergunte: o que é isto?

Então você me responde - Não sei e em seguida utiliza-o tendo em vista escrever uma composição...

Você declara não saber para que serve o lápis e no entanto emprega-o como todas as outras pessoas.

A outro aponto para uma bola e faço a mesma pergunta.

Obtendo a seguinte resposta: Para mim pode ser um avião.

Resta-me dizer: passe a demonstração > pilote-o e transporte-se nesta bola a S Paulo ou a Paris.

Então por mais que você insista, grite e bata o pé, negando-se a reconhecer que se trata duma bola não pode 'trata-la' ou proceder com ela como se fosse, de fato, um avião.

D - Eh???

M - Seu ceticismo, seu relativismo, seu idealismo, seu voluntarismo não passam de discursos vazios ou da 'flatu vocis' como diziam os medievos...

Pois não possuem aplicação prática.

D - Compreendo.

M - Por outro lado se na medida em que percebo e compreendo entro em relações concretas com o objeto de minha percepção/compreensão ou interajo com ele, prevendo com exatidão outros estados a serem assumidos por ele ou mesmo atuando sobre ele e transformando-o, evidencio que meu conhecimento a respeito dele é real.

Como poderia eu interferir na condição do objeto ou modificar sua estrutura sem que meu conhecimento a respeito dele corresponde-se a algo que, de fato, acha correspondência nele.

Como o homem seria capaz de quebrar ou partir um átomo e de produzir energia caso meu conhecimento a respeito do átomo pertencesse apenas a esfera do ideal ou do imaginável???

Assim na medida em que o conhecimento científico altera a estrutura dos seres e objetos que nos cercam constatamos corresponder ele aos seres ou objetos em questão, i é, constatamos a objetividade de nossos conhecimentos.


Respostas as objeções formuladas pelos céticos: Agripa - O cárater da percepção é relativo

D - Segundo Agripa cada pessoa perceberia o mundo a sua maneira. Assim sendo a percepção de um não pode servir de critério para os demais.

M - O argumento é capícioso e não resiste a uma análise tanto mais aprofundada.

Do contrário em situações iguais uma pessoa sentira frio e outra calor nos pólos... do mesmo modo um sentiria calor e outro frio, no curso do dia, em meio as areias do saara.

O mercado de perfumes poderia muito bem ser substituído por um mercado de fedores sem que muitos percebessem.

O amargor seria fruído como doçura pelos mais diversos paladares.

Os símbolos de transito, os emblemas religiosos e as bandeiras de diversas organizações seriam irrelevantes...

A própria relação entre as pessoas tornar-se-ia problemática na medida em que cada uma ficaria presa a sua imagem de mundo.

A construção dum linguajar estruturalmente universal ou de um legado científico comum ficaria ameaçada senão impossibilitada.

Caso a percepção fosse determinada apenas pela subjetividade, qualquer tipo de partilha em termos de conhecimento ficaria comprometida. Corresponderíamos cada um de nós a uma espécie de universo particular sem muita ligação com os demais...

Respostas as objeções formuladas pelos céticos - Agripa: Da regressão ao infinito

D - Segundo Agripa 'A necessidade de se demonstrar cada coisa faria com que a busca pelo primeiro princípio ou pelo começo fosse sucessivamente recuada 'Ad infinitum'. Uma após outra as demonstrações se sucederiam, jamais acabariam, nunca teriam fim... e algum elemento ficaria sempre por ser demonstrado. Tal o princípio denominado REGRESSÃO ao infinito; uma demonstração sempre esta firmada sobre outra que precede-a e que por isso mesmo carece ser demonstrada.'

M - O defeito fundamental desta objeção consiste em afirmar gratuitamente que tudo é demonstrável, e que nada haja de seguro e certo que exclua a necessidade da demonstração. 

Eis porque a Filosofia perene parte do que chamamos indemonstrável ou axiomático.

D - Ignoro supinamente que seja axiomático.

M - Axiomático é um princípio captado com evidência imediata ou evidente por si mesmo e a respeito do qual não precisamos fazer qualquer tipo de demonstração.

D - Da-me algum exemplo.

M - Não precisamos demonstrar nossa existência para nós mesmos, pois enquanto seres auto conscientes experimentamos o ato de existir e sabemos com absoluta certeza que existimos.

Da mesma forma e maneira sabemos que existem objetos ou melhor formas exteriores a nós e face as quais nos posicionamos assumindo relações. Este simples fato de nos distinguirmos das coisas evidencia a existência delas.

Sabemos por fim que a existência ou ao ser, partilhado por nós e pelo mundo externo com que dialogamos opõem-se ao não ser ou a inexistência; aqui o germe do 'princípio de contradição'.

Alguns expositores acrescentariam ainda o juízo segundo o qual 'A parte é menor que o todo e o todo maior que a parte.'

Parece que cada um dos princípios ou noções acima elencados pode ser captado em sua totalidade e inteireza ou de um só golpe pelo intelecto.

E que não carecem de qualquer tipo de demonstração, pois há um critério de evidência que não precisa ser justificado ou corroborado por outros; pois justifica-se por si mesmo face a consciência.

D - Poderíamos dizer que estamos diante dos mais remotos fundamentos do saber?

M - Sem sombra de dúvida pois é a partir deles que principiamos as demonstrações.

D - O que excluí a regressão ao infinito?

M - Sim, pois como vimos os primeiros princípios apresentam-se ao intelecto evidência imediata, o que excluí qualquer necessidade de demonstrações. A certeza aqui é intuitiva e manifesta.

D - E quanto ao 'Dialelo' ou círculo vicioso (ARGUMENTO DA CIRCULARIDADE) que supõe a admissão daquilo que é preciso demonstrar; uma vez que demonstrar algo implica admitir a capacidade da demonstração ou a sua validade? Agripa

M - Num primeiro momento salta a vista que o 'dialelo' corresponde a um argumento.

O qual apresentando-se como válido para impugnar o dogmatismo, sanciona o viez demonstrativo da argumentação em geral, que é seu cárater racional.

Suponhamos que intuitivamente ou partindo dos primeiros princípios indemonstráveis eu afirme e sustente que ao menos 'alguma coisa' é possível saber com certeza segura e certa.

Qual seria a reação do cético diante disto?

D - Penso que ao menos instintivamente ele opusesse algum tipo de argumento ou objeção.

M - E aqui estaria a morte da coerência, pois emitir objeções ou argumentar implica sempre admitir que alguma coisa é conhecida de modo a servir de fundamento a argumentação. Logo ao argumentar sobre o ceticismo nosso adversário entra uma arapuca... Pois a negação completa de todo conhecimento é dogma que se destrói a si mesmo ou forma de suicídio intelectual.

Independentemente de seu valor, uma vez que o 'dialelo' é um tipo de argumento, supõe certa capacidade intelectual ou racional e volta-se contra o próprio ceticismo em termos absolutos.

D - Mas quanto ao valor do 'dialelo' em si mesmo?

M - O 'dialelo' peca por supor ou suster que a capacidade do intelecto para atingir a verdade seja objeto de demonstração pelo qual demonstraríamos a demonstrabilidade...

Donde se segue que intentando demonstrar a demonstrabilidade cairíamos numa 'petição de princípio' - pois a demonstração da aptidão suporia a mesma aptidão para demonstrar...

Acontece que a 'aptidão do intelecto para a verdade' pertence justamente aquele gênero de certezas acima designadas como axiomáticas e indemonstráveis.

Não precisamos recorrer a evidências mediatas/remotas ou a esquemas de lógica com o objetivo de demonstrar tal capacidade uma vez que no ato mesmo de elaborar qualquer tipo de juízo esta capacidade MOSTRA-SE A SI MESMA COM EVIDÊNCIA IMEDIATA ou intuitivamente.

Caso a consciência não soubesse com evidência imediata que é capaz de apreender a verdade jamais encetaria qualquer tipo de juízo, ou melhor, se soubesse que é incapaz de apreender qualquer coisa sequer seria capaz de promover qualquer tipo de predicação ou juízo sem fazer violência a si mesma. Pois saberia estar encetando um ato falho...

E no entanto o ato de julgar é tanto espontâneo quanto universal. Diante disto só nos resta admitir que a inteligência, ao implementar tais atos, reconhece a si mesma como apta para conhecer...

D - És capaz de fornecer-me algum exemplo tanto mais palpável?

M - É certo que não posso ouvir uma bela sinfonia caso não possuam antes aptidão para isto. No entanto não é necessário que esta minha aptidão seja conhecida antes do ato... POIS TAL APTIDÃO É CONHECIDA E VERIFICADA IMEDIATAMENTE, OU SEJA, NO PRÓPRIO ATO; pois da simples existência do ato em si podemos inferir a aptidão do agente para produzi-lo...

D - Explica-me agora como a inteligência seria capaz de conhecer sua própria capacidade cognitiva???

M - "A inteligência sendo dinâmica é perfeitamente capaz de voltar-se sobre seus próprios atos e operações, não apenas com o objetivo de conhece-los, mas para conhecer sua conformidade com a realidade externa a si; todavia como esta segunda conformidade não pode ser sabida, sem que saiba a natureza do princípio operante: isto é que a inteligência é apta para conformar-se com a realidade. Então para conhecer-se como válida para o objeto deve antes reconhecer-se como válida em si mesma." Aquino in De Veritate I,09

Em suma: todos juízo trás embutido em si mesmo um valor crítico, porque implica controle da inteligência sobre seus atos para ver se afirmando afirma o que é ou se negando nega o que não é; quando a inteligência toma consciência de estar captando algo que esteja presente no objeto ou de estar percebendo que este ou aquele atributo não se encontra nele ela se sente inclinada a afirmar ou negar com absoluta seguridade. E mesmo a vontade educada na escola do ceticismo sente-se dificultada ao querer impedir este ato, o ato do juízo. Ora o intelecto tende para o juízo porque vê a si mesmo, internamente (ou auto percebe-se), como apto ou capaz e vê-se a si mesmo porque não é estático.