quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Criteriologia - Os cinco veículos proximais do critério

Nos próximos capítulos deste manual analisaremos os cinco veículos que embora não possam ser encarados como critérios da verdade conduzem-nos até a verossimilhança, ou seja a periferia da Verdade.

Tais as vias:


  1. A concordância ou assentimento universal por todas as culturas
  2. A experiência sensorial ou a atuação dos sentidos
  3. A correspondência.
  4. A coerência.
  5. O pragmatismo ou a obtenção de resultados práticos.
Quer isoladamente quem em conjunto este cinco veículos testemunham poderosamente a favor de nossa capacidade cognitiva.

Convém pois examina-los e aprecia-los com toda atenção.

Criteriologia - A Intuição como critério da Verdade (Henri Bergson)

D - Há quem como Bergson sustente ser a Intuição o critério mais excelente.

M - Para que algo possa servir de critério ou padrão para qualquer tipo de julgamento é necessário que seu sentido seja simples ou unívoco.

Nada mais vago, equivocado e controverso do que o conceito de intuição.

Tomemos o conceito de intuição proposto por Spinosa e o conceito de intuição proposto por Bergson, isto para sermos sucintos. Temos dois autores e dois fenômenos distintos que recebem a mesma designação...

Caso nos reportemos a outros autores teremos outros tantos conceitos, dignificados, definições controvérsias.

Parece que não estão falando a respeito da mesma coisa.

A intuição é o critério da Verdade??? Neste caso estamos diante de um critério que exige um critério rsrsrs

D - Tomemos a intuição em seu sentido mais geral.

M - Parece-me que o sentido geral tenha sido formulado pelos pensadores escolásticos.

D - Enquanto apreensão imediata da totalidade de um ser ou mesmo de uma relação?

M - Exatamente.

Teríamos assim um conjunto de dados co relacionados que apresentam-se clara e distintamente a consciência sem uma mediação racional, ao menos a nível de consciência.

Assim os primeiros princípios ao axiomas, a respeito dos quais já discutimos.

Tais elementos mostram-se ou revelam-se a consciência em sua totalidade fazendo-se assimilar ou compreender por ela sem necessidade de quaisquer demonstrações.

A matemática clássica parte de tais princípios, os quais parecem estar presentes em todas as culturas, mesmo as mais primitivas.

D - Neste caso poderíamos estar diante do critério.

M - Na intuição certamente temos acesso a algumas poucas verdades. As quais bem poderiam ser encaradas como testemunhos a respeito de nosso potencial cognitivo ou mesmo como fundamento remoto dos demais saberes a serem adquiridos.

Na condição de supremo critério da verdade sequer podemos ver como ela poderia funcionar.

Pelo simples fato de que os dados fornecidos por este veículo são extremamente raros podendo ser contados nos dedos.

A menos que atribuamos a intuição um significado espontaneísta quase que mágico...

Multiplicando-as ao infinito sem que haja algum tipo de presença universal que transcenda as barreiras relativas da cultura muito bem definidas pela antropóloga Ruth Benedict há quase um século.

Um enfoque individualista do conceito de intuição nos levaria a perguntar a respeito de que condições gerais e comuns caracterizam este fenômeno e sobre como alguém pode ter certeza de ter passado por uma experiência intuitiva e não por outro qualquer estado de espírito.

Eis porque, devido a certo sentido lato ou vulgar de intuição, alguns tem cometido crimes e passado as prisões ou manicômios...

D - De fato parece-me que carecemos dum princípio tanto mais claro ou simples quanto universal e seguro.




terça-feira, 13 de agosto de 2013

Criteriologia - O costume e a tradição como critérios da Verdade

D - Alguns tem tomado o costume e a tradição dos antigos por critério da verdade.

M - Em certo sentido o costume tende a padronizar certos tipos de 'relações' testadas, no sentido de que foram bem sucedidas. No entanto parece que ele não vai além das relações pessoais e sociais tocando a natureza do universo ao cárater do ser... por outro lado o costume mostra-se sempre ineficaz quando se trata de obter soluções para novos problemas, isentos de precedente histórico.

Outra característica a ser considerada é que os costumes variam de cultura para cultura na medida em que os grupos sociais são capazes de encontrar soluções diferenciadas para os mesmos problemas; sem que haja qualquer indagação a respeito de qual seja a melhor ou a mais eficaz.

Queremos dizer com isto que a esfera do costume é demasiado limitada além de ser acrítica e ingênua.

D - Em que sentido?

M - Ao membro de uma cultura primitiva qualquer jamais ocorre duvidar dos costumes prevalecentes. Ele jamais haverá de comparar as soluções propostas pelas diversas culturas para descobrir qual seja a melhor ou mais funcional... Levado pelo hábito ele tende a reproduzir mecanicamente aquilo que aprendeu com os ancestrais e a jamais inovar. Eis porque os chineses tendo inventado a pólvora, a bússola, a imprensa e a cédula; não foram capazes de tirar partido de cada uma destas descobertas; porque estavam inseridos numa sociedade absolutamente tradicional que nutria desconfiança por qualquer tipo significativo de alteração.
Acostumados a dinâmica social recebida por tradição os chineses sequer podiam conceber um tipo de sociedade diferente: tudo deveria ser como sempre havia sido.

Implica esta visão em imobilizar as estruturas sociais - mantendo religiosamente a herança legada pelos antigos - e em paralisar a História.

Teríamos aqui uma Sociedade estática em que qualquer tipo de progresso: teórico ou técnico seria encarado negativamente, como uma espécie de ameaça ou heresia.

Implica jamais obter a cura do câncer ou meios de transporte ainda mais ágeis...

D - Adotado o critério do costume ou da tradição teríamos uma sociedade por assim dizer 'mumificada'?

M - Em termos de essência ou de princípios éticos podemos postular criticamente a existência de certa estabilidade cujo valor transcenda as limitações do tempo e do espaço... a realização da essência e a aplicação dos princípios no entanto implicará sempre alguma alteração. Alteração que o padrão do costume sempre se negará a assumir... e que a tradição sempre tenderá a classificar negativamente.

Não se trata aqui de negar ou de repudiar tudo quanto nos tenha sido legado ou transmitido pelos antigos pelo simples fato de que tais conhecimentos tenham sido sucessiva e criticamente testados ou atravessado incólumes o questionamento exercido por diversas gerações...

Na medida em que - após Pitágoras/Tales e mais pronunciadamente, após Aristóteles - parte dos homens passa a exercer crítica face aos fenômenos e que esta crítica assume um aspecto social na medida em que passa a ser exercida por sucessivas gerações de pensadores ou pesquisadores forçoso é concluir que os conhecimentos que resistem a esta crítica contínua e cerrada adquirem credenciais ou garantias de confiabilidade.

Destarte podemos afirmar a existência duma tradição crítica ou dum habito crítico que prolongando-se de geração em geração reforça o sentido da veracidade. Estamos no entanto diante duma aplicação sucessiva e contínua do critério e não do critério em si.

O critério pode e deve subsistir por meio da tradição; no caso duma tradição gnoseológica ou científica - por isso mesmo crítica - enquanto hábito exercido; a tradição no entanto (enquanto 'modo' pelo qual o critério é exercido) jamais corresponderá ao critério em si.

D - Continuemos pois a procurar o critério...

M - Forcejemos por encontra-lo e o encontraremos.

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Criteriologia - A vontade como critério determinativo da Verdade.

D - Há quem presuma ser a vontade o supremo critério porque temos acesso ao conhecimento verdadeiro

M - De fato já na Idade Média nos deparamos com as cogitações de Henrique de Gand e Duns Scot a respeito do primado da vontade no processo cognitivo. Para tais autores no entanto o que esta em jogo é o conhecimento de Deus e da Revelação (sobretudo no que diz respeito a seu aspecto Ético) e não o conhecimento do mundo físico ou natural...

Seja como for tais cogitações foram consideravelmente ampliadas por Tonnies e Wundt partindo de Kant. Estes autores descrevem todo processo intelectual como originário de impulsos de natureza volitiva. Fouillé retomou esta tese em 1893 na 'Psicologia das ideias força'.

Desde então as suposições de Descartes a respeito da autonomia absoluta do intelecto racional tem sido algo de críticas cada vez mais cerradas como a de Antonio Damásio.

D - Importa dizer que há alguma verdade por trás do voluntarismo?

M - A relação existente entre o intelecto racional e a vontade ou a afetividade tem sido cada vez mais salientada por certos pesquisadores como Wallon e Rogers; e não pode mais ser posta em dúvida ou minimizada.

D - Em que sentido?

M - Ao menos quanto a direção daquilo que é analisado e sabido. Embora a vontade - via de regra - não seja capaz de alterar os dados fornecidos pelos objetos postos face ao intelecto é evidente que cabe a ela dispor o intelecto para o objeto a ser conhecido. É a vontade que de algum modo seleciona o objeto do estudo ou do conhecimento.

Por que um escolhe a biologia e outro a sociologia como objeto de pesquisa?

Porque certas situações afetivas dispuseram a vontade para aquele domínio específico.

D - Assim o afeto ou a vontade produzem o que denominamos 'vocação'.

M - Nem podemos duvidar que situações agradáveis suscitadas por este ou aquele tipo de conhecimento sejam capazes de criar certas sinapses ou esquemas neurológicos que disponham a vontade para este ou aquele tipo de conhecimento.

D - Limitar-se-ia o papel da vontade a esta determinação setorial?

M - Além disto julgamos que quanto mais forte seja o amor ou o afeto disposto para um objeto tanto mais forte seja o desejo de conhece-lo ou de investiga-lo. Neste sentido não podemos negar que a vontade exerça um influxo positivo face a aquisição do saber... pois quanto mais alguém amar determinada coisa ou um bem proporcionado por ela, tanto mais se esforçara por compreende-la.

Tal o caso de alguns pesquisadores que dedicaram-se a encontrar a cura ou o tratamento para determinado tipo de enfermidade pelo simples fato de terem perdido um ente querido - um conjuge ou filho - vitimado por ela. Aqui o móvel da investigação e do sucesso obtido foi uma relação afetiva...

De modo geral podemos dizer que o acesso mais fácil para a verdade corresponde ao amor da verdade.

Todavia como só podemos amar aquilo que possui existência real, a pura e simples negação da verdade como objeto real, impossibilita sua apreensão na mesma medida em que nos impossibilita a ama-la.

D - Podemos então dizer que embora a vontade não possa ser levada em consideração como critério para a verdade, encontra-se, apesar disto intimamente relacionada com o processo de aquisição do saber?

M - Podemos sem sombra de dúvida admitir que a vontade impulsiona e orienta o trabalho do intelecto na medida em que direciona-o para este ou aquele objeto e não para outros. Assim cada qual buscara analisar e compreender antes de tudo aquilo que mais ama.

D - Admitida esta premissa segundo a qual o amor orienta o intelecto e aquela outra segundo a qual o fim último de nossa afetividade deve corresponder ao Supremo Ser; não seríamos forçados a concluir, como o homem medieval, que o estudo da teologia ou da teodiceia deve merecer nossa prioridade exclusiva face ao conhecimento científico que diz respeito ao mundo natural?

M - Penso que sustentar a exclusividade ou a prioridade absoluta do conhecimento teológico ou metafísico não corresponda a uma solução satisfatória.

D - E por que?

M - Por que caso compreendamos a existência do mundo natural como algo querido ou desejado pela vontade divina, seremos sempre obrigados a ama-lo, a estuda-lo, a compreende-lo e a conceder a ciência algum espaço em nosso esquema de conhecimento. Afinal na medida em que conhecemos algo querido e desejado por Deus conhecemos o próprio Deus ou a mente de Deus... e do conhecimento a obra ou do corpo passamos ao conhecimento do autor ou espírito.

Não se trata aqui de excluir qualquer tipo de conhecimento, qual seja o conhecimento científico; mas apenas de hierarquizar de modo a que determinado gênero de conhecimento ultrapasse ou complete o outro segundo a grandeza proporcional a seu objeto. Aqui valorizar os saberes teológicos e filosóficos não implica excluir os demais tipos de saber relacionados com a imanência; mas associa-los todos numa construção harmoniosa.


segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Criteriologia - A fé religiosa como critério da verdade

M - A que conclusão havíamos chegado durante o último diálogo???

D - Havíamos constatado que os sentimentos não podem ser considerados como critério apropriado para discernir qual seja a verdade.

M - Cumpre agora dar seguimento a nossa investigação e examinar os demais critérios propostos.

D - Segundo Agostinho, Lutero, Calvino, Montaigne, Jacobi, De Bonald, Maistre, Lammenais, Bonetti, Donoso Cortês, etc o supremo critério da verdade corresponde a fé ou a uma Revelação sobrenatural comunicada por Deus.

Disto decorre que o intelecto seja 'impotente' para aquilatar a verdade.

Deus no entanto comunica ao homem tudo quanto precisa saber ou tudo quanto seja relevante.

Assim o que Deus comunica através do livro (biblismo/protestantismo) ou da Igreja (agostinianismo) é de fato verdadeiro e indubitável enquanto que as demais informações são apenas verossímeis e em certa medida sempre duvidosas.

Eis porque, este padrão religioso tem se mostrado sempre hostil a teodiceia enquanto especulação puramente racional a ponto de denuncia-la em termos até mais enfáticos do que Kant.

Alias o próprio Kant, ideologicamente falando, parece não estar inume ao influxo desta corrente na medida em que bebeu da tradição cultural Luterana.

Consta inclusive que ele expressou-se nos seguintes termos: "Assim debilitamos a razão para enaltecer a fé."

M - Ignoro em verdade se tais palavras foram mesmo proferidas por Kant, reconheço todavia que exprimem adequadamente seu modo de pensar.

Até onde nos é dado saber a 'Crítica da razão pura' não foi publicada 'a esmo' correspondendo antes a uma espécie de 'necessidade' produzida nos círculos intelectuais da Alemanha pela polêmica travada entre Lessing, Jacobi e Mendelssohn a respeito da metafisica racionalista ou mais precisamente da teodiceia - em especial a Spinoza mas também, em certa medida as de Leibnitz/wolff e Descartes - e o Deus da Revelação ou da fé.

Partindo de Descartes e Leibnitz é assaz sabido por todos que Spinoza (que posteriormente serviu de apoio a teodiceia Hegeliana) elaborou uma teoria panteísta ou no mínimo panenteísta (e do nosso ponto de vista em grande parte válida) que escandalizou não apenas a sinagoga mas a cristandade judaizante e tosca como um todo. Esta teoria foi adotada por Lessing o qual buscava de algum modo concilia-la com os principais dogmas do Cristianismo...

De modo geral o próprio Spinoza havia declarado em alto e bom som que seu Deus não correspondia a ideia de transcendência absoluta atribuída aos patriarcas hebreus> "Meu Deus não é o de Abraão, Isaac e Jacó..." são palavras suas...

A Lessing no entanto, como gênio que era, ocorreu a feliz ideia de construir uma síntese semelhante a que Aquino havia construído na Idade Média; embora muitos - como o Pe Lucien de Laberthonière por exemplo - que o 'deus' de Aristóteles jamais haveria de corresponder ao Deus enunciado por Cristo nos Evangelhos.

Para toda a gente tacanha o Deus de Jesus deve corresponder sempre e necessariamente ao deus dos patriarcas ou dos antigos israelitas... então como Aquino, que fora anatematizado pelo chanceler Estevão Tempier de Paris; Lessing teve de fazer frente ao 'fogo' cerrado dos luteranos tradicionais, dentre os quais Jacobi.

Para este Jacobi a especulação puramente racional a respeito da natureza divina conduzia sempre e necessariamente a impiedade de Spinoza ou seja ao panteísmo/ panenteísmo classificado por ele (como a própria teodiceia hegeliana e a teologia do processo) como puro e simples ateísmo ou - como gostam de dizer os ateus - um ateísmo disfarçado.

Diante da argumentação rigorosamente lógica ou racionalista de Spinoza concluiu Jacobi a favor de Lutero contra Aristóteles (O qual para Lutero não passava de um demônio) e Aquino, cuja 'Suma...' fora mandada queimar pelo 'deformador' alemão juntamente com a Bula do papa e as decretais... Para Jacobi a obra de Spinoza era prova contundente de que Lutero não havia errado e que a razão humana é de todo impotente para aquilatar a natureza divina.

Tendo morrido Lessing durante o correr das discussões, foi substituído por um seu admirador, o judeu Mendelssohn que na esteira de Aristóteles e Aquino, Descartes e Leibnitz susteve a capacidade do intelecto para demonstrar a existência de Deus...

Assim foram correndo rios e mais rios de tinta.

Em meio aos quais o luterano Immanuel Kant ergueu a pena em favor de seu confrade ou irmão Jacobi.

Kant e Jacobi nos reportam sempre a tradição anti racionalista vindicada por Lutero, as quais em certo sentido chegam a Ockham e enfim a Agostinho de Hipona (vertente com que se identifica o próprio Montaigne) o qual como sabemos recebeu seu pessimismo antropológico dos maniqueus...

Prolongamento do agostinianismo ou melhor do maniqueísmo; assim consideramos todas estas tentativas desastrosas de abater a razão para sobrepor-lhe a primazia da fé.

D -  De nossa parte convém averiguar se a fé de fato faz jus ao 'status' de critério que lhe é atribuído.

M - Não questiono aqui a simples possibilidade de que a fé, compreendida como os Santos Evangelhos ou a tradição da Igreja corresponda a um conteúdo válido no que diz respeito a esfera da religiosidade.

Agora que corresponda ao supremo critério porque deva ser aquilatada toda espécie ou tipo de verdade parece-me inexato.

D - Por que?

M - Porque até onde nos é dado saber a própria esfera da religiosidade, da fé, dos registros pretensamente sagrados, etc incorpora certos conceitos adrede confeccionados sem discutir a respeito do significado dos mesmos. Noutras palavras; ela parece receber - da natureza ou da profanidade - certo conteúdo já pronto supondo que o mesmo seja verídico sob pena de seu próprio discurso perder o sentido.

É impossível compreender o discurso religioso a menos que suponhamos que ele mesmo, até certo ponto, reconhece a existência e a validade dum discurso exterior a si.

D - Penso ainda não ter compreendido bem.

M - Que o discurso religioso não pretenda demonstrar absolutamente tudo, supondo que alguma coisa 'sobre' ou reste para a natureza racional, infere-se a partir de sua própria base que a divindade. Pois enquanto revelação depende a fé de um Ente ou Ser revelador responsável por comunica-la ao gênero humano.

Ora nem a escritura Cristã e tampouco a muçulmana e a judaica (Evangelhos, Corão e Tanak/Mikra) contem dissertações a respeito da existência de Deus, dando sempre sua existência por admitida ou suposta.

Donde se infere que a fé na comunicação pertinente a natureza e a vontade de Deus, admita ser precedida por um tipo de demonstração racional a respeito de sua existência.

Neste caso a fé religiosa teria seu ponto de partida num elemento de natureza distinta que corresponde a razão ou a teodiceia; e bem poderíamos dizer que a base ou o fundamento mais remoto da fé é racional. Tal o conceito de fé esclarecida, no caso esclarecida pela reflexão ou especulação metafísica.

Quanto aqueles que afirmam o contrário e sustentam que a própria existência de Deus fica de fato subentendida mas igualmente em termos de fé - os fideístas ou tradicionalistas - ignoram ou são incapazes de perceber que se a fé parte da fé ou se esgota em si mesma estamos diante de um círculo vicioso.

D - Não percebo como.

M - Pois afirmamos crer na comunicação de Deus por crermos na existência de Deus e ao mesmo tempo cremos na existência de Deus porque cremos na comunicação de Deus. Cremos que se comunica porque existe e que existe porque se comunica...

D - De fato este tipo de fé parece ser demasiado ingênua ou cega.

M - Nós no entanto sustentamos que embora a comunicação ou Revelação de Deus pertença ao domínio da crença e da autoridade designada, a demonstração de sua existência pertença ao domínio natural da razão.

D - Para tanto deveríamos, no mínimo, demonstrar que certo discurso religioso reconhece as prerrogativas naturais da razão.

M - Tomemos por exemplo o livro dos Cristãos que é o Evangelho (narrativas de Mateus, Marcos, Lucas e João) neles nos deparamos com afirmações semelhantes a esta:

"O verbo se fez carne."

Parte alguma das escrituras no entanto dissertam a respeito do que seja Verbo ou do que seja carne; supondo a existência de conceitos externos a si, no caso válidos e verdadeiros para que o discurso faça sentido.

Nem podemos ignorar que grande parte da Escritura seja formada por juízos: alguns de essência outros de valor...

"Assim a mostarda se converte no maior arvoredo destes nossos campos." declara Jesus Cristo pretendendo com isto exarar uma verdade.

Noutro passo declara ainda: "Deus só é bom."

Mas não expõe o significado da própria bondade.

"Deus é amor." declara o apóstolo.

Mas não define o que seja amor.

Assim recebe a escritura diversos conceitos quais sejam: maior, menor, bondade, justiça, amor, espírito, etc
sem jamais explicita-los no entanto.

Eis porque há tantos e tantos léxicos e enciclopédias bíblicas - assim Russel N Champlin, Gerard Kittel, Mackyntosh/Strong, Schaff, Wicleff, Viney, Brucce, Scott/Lidel - tendo em vista esclarecer o sentido das passagens do Evangelho e do Novo Testamento. Também os judeus mais esclarecidos que desejam compreender com exatidão dos discursos de seus mestres recorrem a obra de Marcus Jastrow enquano os muçulmanos possuem seus Sahis de Muslin, Bukhari, Dauwad, Ibn Maja e Termidi; além dos Tafsir e das Thadib de Al Tabari e das obras de Qutaybah, Al Tabarani e outros.

Ora essas definições todas das quais a fé depende - sob pena de tornar-se incompreensível - mas que não procedem da fé, dão por suposto que o intelecto humano seja apto para apreender certas verdades primárias ou elementares.

Ademais todos os juízos contidos nos livros sagrados remetem como já advertimos noutro capítulo: ao Ser, ao mundo externo e ao princípio de contradição.

D - Sou levado a concordar em gênero, número e gráu.

M - Nem devemos nos esquecer que os escritos dos apóstolos recomendam que o culto prestado a Deus seja de natureza 'racional'; além de incitar-nos a fornecer - aqueles que nos perguntarem - as 'razões' de nossa boa esperança; e nem vemos que uma e outra coisa sejam possíveis caso estejamos de acordo com Agostinho e Lutero a respeito da incapacidade da Razão humana.





sábado, 3 de agosto de 2013

Criteriologia - O sentimento ou da emoção como critério da verdade

M - A que conclusões chegamos na última discussão?

D - Na última discussão concluímos que embora o instinto, definido como reflexo ou tendência natural disposta pela estrutura orgânica do ser, seja útil e benéfico para o que foi disposto: a conservação e comunicação da vida, bem como o aprimoramento da espécie (por meio da sociabilidade e da curiosidade por exemplo); nem por isto pode ser encarado ou considerado como último critério da Verdade já porque não esta posto para a totalidade dos fenômenos que nos cercam, já porque não tem em vista o conhecimento integral de cada fenômeno.

Bom é o instinto para ser empregado em diversas circunstâncias; não no entanto para franquear acesso a todas as categorias de verdades como a metafísica, a ética, a estética, a Histórica ou mesmo a biológica.

M - Uma vez que não podemos contar com os instintos para ter acesso as demais categorias da verdade, que transcendem a conservação e promoção da vida; a que outro critério haveríamos nós de recorrer???

D - Segundo a escola romântica o critério mais adequado, tendo em vista a aquisição da verdade seria o sentimento, compreendido por muitos como a emoção.

Somente aquilo que é capaz de despertar em nós sentimentos nobres, de nos emocionar ou comover deveria ser tido em conta de real ou verdadeiro.

M - Aqui outra meia verdade.

D - Por que meia verdade?

M - Quem de nós haveria de fazer pouco caso dos sentimentos humanos?

Emocionar-se ou comover-se face a dor alheia é nota de alteridade ou empatia.

D - Então porque não podemos adotar os sentimentos como critério da verdade?

M - Primeiramente porque nem todos os seres humanos possuem a capacidade de sentir, a exemplo dos psicopatas.

Num segundo momento porque o sentir esta sempre na dependência de certos princípios e valores.

Assim tantos quantos admitem que os cães e gatos possuem uma alma ou ao menos uma certa capacidade intelectual tendem a comover-se face ao sofrimento experimentado por eles enquanto aqueles que recusam-se a encara-los como entidades dotadas de capacidade intelectual não tendem a experimentar qualquer tipo de sentimento.

Destarte os sentimentos e emoções são sempre relativos a certos princípios e valores transmitidos pela cultura. E neste sentido costumam ser determinados pela cultura... e a variar de cultura para cultura.

A própria alteridade a que nos referimos é uma construção progressiva que se dá na História...

E portanto uma noção que se dá e que se forma no tempo e no espaço.

E que esta voltada apenas para certo aspecto ou parcela da realidade, como seja a convivência humana ou as relações existentes entre os homens de demais seres vivos.

E nem se percebe porque modo ou maneira os elementos químicos ou os estados físicos da água possam dizer alguma coisa em termos de sentimentos humanos...

D - Percebo que os sentimentos e emoções não possuam estabilidade suficiente para funcionarem como critérios determinativos da verdade.

M - Além disto os sentimentos e emoções não possuem acuidade.

D - ???

M - Refiro-me a capacidade para distinguir uma coisa da outra considerando as causas ou fundamentos.

D - Por exemplo.

M - Qualquer um de nós poderia comover-se diante duma situação de injustiça artificial, forjada ou encenada ou mesmo de cultivar sentimentos hostis para com uma vítima que as aparências fizessem parecer culpada.

Quantos de nós não se comovem até as lágrimas diante dum romance como os de Jane Austen  ou Charlotte Bronté e são incapazes de demonstrar qualquer tipo de sentimento face aos detentos massacrados no Carandiru ou dos moradores de rua assassinados em Goiânia??? Quantos não se comovem ante a encenação das obras de Ésquilo, Sófocles ou Eurípedes enquanto assistem impassíveis o massacre de cívis por parte das tropas Norte Americanas no Iraque???

D - Qual a razão disto?

M - A razão é que os sentimentos são, a um tempo,  incapazes de discernir entre uma situação de sofrimentos ou de dor real ou fictícia, e a outro, de averiguar as causas mais remotas... destarte o homem deixa\de ser incomodado ou tocado por uma realidade que é por assim dizer disfarçada ou ocultada para debulhar-se em lágrimas e clamores diante de cenas ou representações que nada possuem de reais.

Para o sentimento é sempre problemático ultrapassar as aparências e assumir uma postura tanto mais crítica.

Podemos acrescentar ainda que o romantismo afasta as massas da realidade cruel face a que deveriam indignar-se na mesma medida em que produz situações artificiais e fictícias destinada a provocar um derramamento inútíl de lágrimas... Destarte o mesmo sujeito que é impactado pela ficção permanece insensível diante da realidade nua e crua da vida vivida...

D - Neste caso que conclusões deveríamos tirar a respeito dos sentimentos e emoções?

M - Enquanto fenômenos que facilitam e enriquecem a convivência humana, sentimentos e emoções são instrumentais preciosos ou melhor indispensáveis. Todavia no que diz respeito a estrutura íntima das coisas e da realidade podemos dizer que são impermeáveis a ação dos sentimentos, os quais permanecem sempre aquém delas... Para que não se percam na superficialidade do sentimentalismo beócio; os sentimentos devem até certo ponto ser balizados pelo intelecto...

Nada nos autoriza a supor que Fleming ou Sabin fossem indiferentes aos sofrimentos humanos dos feridos ou dos paralíticos... no entanto não foi o sentimento nobre cultivado por eles que capacitou-os a descobrir a Penicilina ou a Vacina contra a poliomielite; mesmo admitindo que os sentimentos possam ter servido com o móvel, incentivando-os, devemos considerar que os resultados foram frutos da experiência associada a reflexão.

Aqui podemos e devemos corroborar o veredito de Durkheim: “O sentimento é objeto da ciência, não é critério de verdade científica." diga-se o mesmo da Verdade Filosófica...

Criteriologia - O instinto como critério ou padrão da verdade (Nietzsche)




D - Admitindo-se que existam verdades universalmente válidas e verdadeiras, devemos forcejar para ver se descobrimos qual seja o critério ou o padrão que nos garante um acesso a elas.

M - Antes de apontarmos qual seja o critério mais seguro face a aquisição da Verdade, devemos saber que no correr dos tempos diversos tipos de critérios foram propostos por diferentes pensadores.

Convém portanto analisar detalhadamente cada um deles.

D - Neste caso qual seria o primeiro critério proposto?

M - O primeiro critério é o instinto.

Assim para Nietzsche a verdade não existe enquanto relação sujeito - objeto mas apenas e tão somente 'Enquanto conserva e propaga a vida.' . E o instinto que esta por trás de cada juízo... Aqui - e Nietzsche repete-o insistentemente - nada há de racional, impessoal ou objetivo. Estar consciente não se opõem de modo decisivo ao que é instintivo e, no mais das vezes, o pensamento consciente de um filósofo é secretamente guiado e plasmado pelo instinto.

D - Temo não saber exatamente que seja instinto, julgo no entanto que se trate dum comportamento 'inato', espontâneo e irracional; uma espécie de reflexo em termos fisiológicos.

M - De fato nem se pode negar quão vaga e de certo modo confusa seja a noção de sentido em que pesem as experiências de Lorenz, Seitz e Tinberger.

Durante séculos foi admitida a existência duma certa disposição natural e portanto inata, para que os diversos tipos de seres vivos agissem teleologicamente ou seja tendo em vista um determinado fim ou uma determinada meta, qual seja, por exemplo, a conservação da vida.

Assim podemos falar no instinto de conservação e no instinto de reprodução; o primeiro relacionado com a busca pelo alimento e temperatura adequados a manutenção do metabolismo e o segundo relacionado com a busca por um parceiro tendo em vista o acasalamento e a continuidade da espécie.

Tudo quanto era executado pelos animais tendo em vista a consecução de tais fins e excluída, premeditadamente, a simples possibilidade de cálculo; era creditado na 'conta' dos instintos.

E por assim dizer tinham eles costas largas e uma certa conotação mágica...

Destarte postularam alguns a existência de um instinto da guerra - Von Moltke - e outros uma espécie de instinto religioso; presentes na natureza humana...

Enquanto outros, tendo em vista os 'problemas' acima elencados; sustentam que o termo deveria ser posto de lado.

D - E substituído porque?

M - Por reflexo no que diz respeito a estruturas de comportamento, em tése, geneticamente herdadas (Pavlov, Skiner, Piaget, Chomsky, etc) pelos membros da espécie; as quais determinariam a direção a ser seguida mas não o conteúdo em si & por percepção ou experiência no que diz respeito aos conteúdos adquiridos.

D - No caso poderíamos, seguindo Henry James, definir a sociabilidade humana como uma espécie de instinto ou de reflexo de alguma maneira impresso ou gravado em nosso aparelho cerebral e consequentemente como uma tendência determinada por nossa condição?

M - A própria curiosidade é certamente um instinto comum a espécie e por assim dizer, o motor de nossa vida intelectual.

E podemos admitir e dar por certo que a supressão dos instintos ou reflexos - como a sociabilidade e a curiosidade - implicaria a extinção do gênero humano.

Apesar disto penso que não seria prudente adotar o 'instinto' ou o reflexo como padrão para todo tipo de verdade.

D - E por que?

M - Porque uma enorme gama de fenômenos externos escapa ao domínio ou a esfera de nossos instintos e tendências.

Assim se o instinto é bom para te fazer obter água em caso de necessidade é de todo inútil para te revelar ou para te dizer qualquer coisa a respeito da natureza da água

Eis porque faz parte da condição humana sobrepor o intelecto ao instinto ou submeter os reflexos e tendências procedentes da vitalidade a princípios e valores de natureza extrínseca e ideal aquilatados pela mente. Porque o instinto te leva apenas a fazer uso ou a empregar enquanto os sentidos e a mente te levam a saber ou conhecer...

É o instinto um usar enquanto o intelecto é um decifrar...

E o decifrar amplia as possibilidades do usar.

Porque o decifrar nos mostra ou revela a estrutura íntima do ser...

Somente assim podemos compreender o fenômeno do martírio.

Não nos referimos aqui apenas e tão somente a experiência porque passaram cerca de sete milhões de Cristãos, em sua maior parte Ortodoxos, nos primeiros séculos desta nossa Era; mas a toda e qualquer experiência em que homens como Sócrates ou Bukharin abriram mão da própria vida tendo em vista uma determinada crença, ideia ou padrão comportamental.

Aqui os reflexos ou instintos determinados pelo organismo tiveram de ceder a uma certa concepção de verdade pela qual bem valia a pena morrer.

Aqui a coerência arrostou não só a morte mas a própria dor e o sofrimento...

Eis porque diziam os antigos, os sábios como Zenão, Sócrates, Epicteto, etc haviam 'violado' e vencido a própria natureza; merecendo os aplausos de toda humanidade.

No entanto, caso os instintos devam ser encarados como critério supremo de toda verdade não poderíamos deixar de encarar Zenão, Sócrates, Rufo, Epicteto, Jesus, Vanini, Bruno, Bukharin, e tantos quantos preferiram a morte face a negação de suas convicções; como idiotas ou depravados.

Na medida em que ousaram resistir aos apelos do instinto.

Assim, se o instinto é de fato válido em sua esfera que é a conservação da vida; não deixam de existir princípios, valores, crenças e ideias superiores ao instinto e pelas quais não sendo possível viver bem lave a pela morrer ou deixar-se matar.