sexta-feira, 26 de julho de 2013

Respostas as opiniões formuladas pelos céticos

D - "Todavia... tenho o costume de dormir; e que me represento em sonhos as mesmas coisas do que esses dementes quando encontra-se acordados. Quantas vezes não sonhei que estava aqui como agora estou, assim vestido frente a lareira com uma folha de papel entre as mãos quando de fato encontrava-me despido e deitado sobre minha cama dormindo??? Parece-me, não há dúvida, que não é com os olhos adormecidos que estou enxergando este papel e que esta cabeça que estou a abanar não se encontra apoiada; que é de propósito deliberado que estendo minha mão; e que a estou sentindo; e tudo quanto se me sucede nos sonhos não me parece assim tão claro e tão distinto, como tudo isto que agora ocorre. No entanto, pensando cuidadosamente o caso, recordo-me de muitas vezes ter sido enganado, quando dormia, por semelhantes ilusões. E tão manifesto se me vai tornando, ao pensar nisto, o não existirem indícios seguros para distinguirmos o sono da vigília, que me vou sentindo cheio de pasmo - pasmo que por pouco me persuadiria de que estou em verdade adormecido.

Suponhamos, pois, que nos encontramos adormecidos; e que todas aquelas particularidades - a saber: que abrimos os olhos, que abanamos a cabeça, que estendemos as mãos, e que coisas tais - são só ilusões; e pensemos que as mãos, e todo o corpo, não são talvez como nós vemos. Todavia, cumpre pelo menos reconhecer que as coisas que nos representamos nos nossos sonhos são como painéis e pinturas, isto é, formadas pela semelhança com as coisas reais, verdadeiras; e assim, dir-se-a que pelo menos as coisas gerais (a saber: olhos, cabeça, mãos, pés, etc) não são imaginárias mas verdadeiras e existentes; pois os pintores, ainda quando procuram com engenhosidade, representar sátiros e sereias, não podem lhes conferir formas e naturezas que sejam completamente novas; mas fazem uma mistura ou associação quanto as formas de diversos animais; ou então, cas possuam uma imaginação tão fértil a ponto de produzir algo que jamais tenha sido visto, e que suas obras representem algo de puramente fictício ou fabuloso; ainda as cores de que se revestem tem de ser verdadeiras..." Descartes in "Meditações..."

M - Sinto cheirinho de "Matrix"??? (Na acepção comum ou mais vulgar)

D - Então suponhamos que estamos enclausurados em incubadoras gigantescas vivendo uma vida meramente virtual ou imaginária... ou que estamos presos dentro de uma gigantesca caverna contemplando 'sombras chinesas' refletivas no fundo.

Aqui o guia pode ser tanto Descartes quanto Platão, Avenarius, Mach ou Husserl; e você pode escolher estar na HD de um computador, numa caverna ou num sonho...

M - Apreciemos antes de tudo a possível resposta fornecida pelo próprio Descartes:

"Em particular a incerteza geral no que diz respeito ao sono, que eu jamais poderia distinguir da vigília. Pois agora, com efeito, encontro uma diferença notável: é que nossa memória jamais encadeia os sonhos uns com os outros de forma sequencial e tendo em vista formar um conjunto; o que no entanto é característico da vigília. Assim se um objeto ou coisa qualquer desaparecesse subitamente diante de meus olhos ou se me manifestasse bruscamente como saído do 'nada'; teria indício seguro e certo de estar sonhando ou produzindo uma imagem artificiosa. No entanto quando percebo qualquer coisa em conexão com o local donde vem, o momento em que apareceu, sua origem ou sentido; e sobretudo quando posso relaciona-la com o conjunto de minha própria vida; posso intuir que estou muito bem acordado e não dormindo." Id, ibd

Nem podemos estar em desacordo com Descartes pelo simples fatos de sermos perfeitamente capazes de formular os conceitos relativos de sonho e vigília.

De fato não temos como conceber o sono ou o sonho exceto em oposição a vigília/realidade.

Caso não existisse uma realidade qualquer como poderia haver sonho???

D - De fato não negamos que a realidade exista. Ela de fato existe em si mesma, o homem no entanto, jamais tem acesso a ela, jamais entra em contato com ela, jamais a percebe...

Vive pois num estado de sono ou sonho eterno.

M - Como a bela adormecida antes de ser beijada pelo príncipe?

D - Jamais beijada pelo príncipe.
     
O homem jamais desperta de seu sono.

M - Um sonho em que sonhamos... Interessante.

No entanto, caso o homem jamais tivesse qualquer tipo de acesso a realidade, como seria capaz de concebe-la? Pois como já foi dito só temos a experiência do sono/sonho só existe em oposição a experiência da realidade.

Considere que na 'matrix' o 'sono/sonho' é posto a luz porque ao menos algumas pessoas tiveram acesso a realidade... o mesmo se pode dizer da caverna de Platão; a caverna é reconhecida como tal por aqueles que dela saíram...

Postular a existência dum sonho contínuo, sem contrapartida e do qual jamais se pode sair é converte-lo em realidade e supor uma realidade jamais averiguada é transforma-la em sonho...

D - Então consideremos apenas a dificuldade que temos para saber quando estamos sonhando e quando estamos acordados.

M - Penso que Descartes tenha já esgotado o assunto.

Vejamos porém, se a luz da psicologia contemporânea podemos acrescentar alguma coisinha.

Os sonhos de modo geral, na medida em que encontram-se no acesso direto da vontade, caracterizam-se pelo aspecto mágico ou improvisado. As coisas simplesmente acontecem... objetos aparecem em cena sem maiores explicações e nem temos como saber o que sucedeu antes.

Tendo em vista esse aspecto predominantemente mágico do universo onírico algumas pessoas tem sido capaz de perceber que estão sonhando. E diante disto de controlar seus próprios sonhos e de reverterem pesadelos inclusive...

Não se trata aqui de acordar e ter ciência de que teve um sonho; partindo da realidade, mas de perceber-se sonhando no próprio sonho ou seja, fora da realidade.

Alguns psicólogos inclusive chegaram a elencar certas características comuns, típicas dos sonhos, em oposição a realidade.

Como o traçado invariavelmente diagonal do calçamento das ruas e dos pisos... em contraposição do quadrangular e retangular predominantes no 'mundo real'.

Também é evidente que só experimentamos despertar dos sonhos; jamais da realidade externa na qual e para a qual nos sentimos despertar...

Por outro lado, como foi salientado por Descartes, a solução de continuidade que experimentamos quando despertos; face a descontinuidade absoluta apresentada pelo fenômeno onírico, parece marcante.

A vida parece sempre mais consistente porque prosaica e sequencial... o mundo dos sonhos é tanto mais disperso, variável, conveniente e redutível ao controle subjetivo.

D - ...






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