quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Conclusão a respeito do ceticismo

M - Caro filho, a que conclusão chegastes a respeito do ceticismo?

D - Compreendi que o ceticismo implica antes de tudo uma visão ou melhor uma apreciação negativa ou pessimista do sujeito face ao potencial cognitivo do intelecto.

Antes mesmo de examinar o assunto o cético dá a questão por encerrada e 'afirma' categórica e aprioristicamente a incapacidade do intelecto para apreender a verdade ou a inexistência da verdade.

Ele sequer se dá ao luxo ou trabalho de argumentar uma vez que argumentar supõe alguma capacidade racional.

O cético coerente limita-se a cruzar seus braços e a cultivar uma espécie de mutismo ou quietismo a nosso ver bastante comodo.

A menos que se esforce por argumentar, atraiçoando; neste caso, os princípios de busca defender.

M - Numa perspectiva filosófica como poderíamos avaliar o ceticismo?

D - Constitui o ceticismo negação apriorística e arbitrária a simples possibilidade de filosofar, uma vez que o ato de filosofar é por assim dizer 'O ato mais nobre exercido pela razão'.

Neste caso abdicar do intelecto implica fechar-se a construção da Filosofia.

Ser cético, e recusar-se a argumentar ou a refletir, é recusar-se a filosofar. Neste caso o ceticismo só pode ser encarado como um obstáculo.

O mesmo pode ser dito sobre o ceticismo face ao conhecimento científico na medida em que a validade/veracidade deste também é contestada pelos paladinos da 'escola'.

M - Qual a atitude do ceticismo face a vida?

D - Fenômeno curioso este do cético furioso face a especulação ou a 'teoria pura'.

Afinal não existe teoria que supere o ceticismo em termos de teoria...

E podemos classifica-lo como sendo a fina flor da especulação.

M - E por que?

D - Porque cético algum faz profissão de viver em conformidade absoluta com seu ceticismo ou de po-lo em prática.

De fato o ceticismo não pode ser 'testado' ou verificado. Em termos de funcionalidade ele sempre falha, miseravelmente...

Nada além de belos discursos, palavras bonitas, expressões buriladas, construções pomposas e repolhudas... enfim magnífico exercício de retórica que jamais saí do papel, dos livros, dos ensaios, das discussões acadêmicas... e que jamais realiza-se no viver vivido...

Aplicação real ou existência no plano da concretude o ceticismo não tem.

Pois todo mestre em ceticismo, a começar por Pirro, é constrangido a viver como dogmático, encarando as coisas como realmente são ou como se realmente fossem reais.

E não pode duvidar de tudo sem expôr a própria vida, o conforto, a dignidade...

E podemos dizer que cada ação realizada por eles é uma negação do credo que professam.

E que do ponto de vista da vida o ceticismo é um verdadeiro fracasso.

M - Ao menos enquanto teoria é o ceticismo convincente?

D - De modo algum é convincente, mesmo enquanto teoria pura, pois quantas vezes não é flagrado o cético construindo juízos???

E reconhecendo implicitamente os tipos do SER, do EU e do MUNDO EXTERNO.

Bem como o princípio da contradição.

Os quais emergem espontaneamente de seu ser, sem que a vontade ou a ideia fixa possa impedir.

Evidenciando que o próprio intelecto reconhece sua capacidade para a verdade, dando testemunho a respeito dela ou mostrando-a, e excluindo a necessidade de qualquer tipo de demonstração.

Ao elaborar qualquer tipo de juízo, inclusive o juízo favorável ao ceticismo, dá o intelecto a compreender que ao menos algumas coisas básicas ou elementares saber com certeza plena e indubitável.

Implodindo o ceticismo pela base e revelando-o como mera construção artificial e forçada da vontade.

M - Que lição deveríamos tirar dos argumentos lançados pelos defensores do ceticismo?

D - Diante dos argumentos emitidos pelos defensores do ceticismo deveríamos cultivar uma sábia prudência.

M - Que vem a ser uma sábia prudência?

D - Consiste a sábia prudência em averiguar quais sejam os limites do intelecto humano, isto é, em avaliar sua capacidade e em averiguar qual deva ser o caminho ou método a ser trilhado por ele.

Implica isto em considerar que mesmo sendo hábeis para saber ou adquirir conhecimentos dignos de serem afirmados como verídicos não deixamos de ser limitados.

Isto que dizer que jamais haveremos de conhecer ou saber tudo esgotando a verdade.

Nossos conhecimentos ainda que verdadeiros serão sempre parciais e sempre ignoraremos muito mais do que saberemos.

Também devemos saber que por ação da vontade o aparelho cognitivo é suscetível de erro e que o erro, por falta de educação ou preparo, é um fenômeno demasiado comum.

Podemos até reconhecer que mais erramos do que acertamos.

Portanto nosso dogmatismo jamais deverá ser ingênuo, supondo fácil a tarefa de atingir a verdade.

Antes deverá ser suave ou melhor dizendo crítico o nosso dogmatismo reconhecendo o quanto é difícil para o homem adquirir algum conhecimento valido e exato.

É necessário que o pesquisador realista tenha sempre diante das vistas as dificuldades do percurso ou do trajeto; para que vindo a errar diversas vezes não se sinta desestimulado...

No frigir dos ovos nem chegaremos a saber tudo ou mesmo muito nem obteremos o conhecimento facilmente ou seja, sem depreender maior ou menor esforço.

Eis o que denominamos 'sábia prudência': conhecer nossa própria limitação ou fragilidade e adotar uma postura crítica.

M - Em termos de um ceticismo metodológico???

D - Aqui temos um ceticismo utíl e proveitoso na medida em que exerce controle sobre a qualidade do saber obtido pondo-se a serviço da Verdade.

Na medida em que a duvida ou a hesitação constrange o pesquisador ou o intelectual a pesar as evidências e argumentos até solucionar todas as objeções lançadas; só após o que ele afirmará algo e antes do que nada afirmará.

Ceticismo positivo ou benéfico implica justamente em avaliar as objeções e encontrar respostas satisfatórias para cada uma delas...

M - Como imaginar todas as objeções possíveis ou pesar todos os argumentos lançados???

D - Aqui entra justamente o papel da sociedade/comunidade; seja a acadêmica ou não.

Ocorre-nos o rifão popular: "Muitas cabeças pensam mais do que uma."

De fato a verdade seja especulativa/metafísica ou empírico/científica é sempre uma construção social, coletiva ou comunitária, e jamais uma construção individual ou isolada.

Em termos de ciência propriamente dita devemos considerar que Newton partiu de Kepler, este de Galileu, este de Copérnico e este de matemáticos árabes e gregos e que cada um deles sofreu impugnações por parte de seus adversários, partidários do sistema ptolomaico então predominante.

Foi um amplo debate acadêmico que prolongou-se durante séculos: um século para Copérnico, um para Galileu e Kepler e outro finalmente para Newton...

Constitui a comunidade acadêmica ou intelectual um imenso filtro pelo qual as hipóteses passam ou são retidas ao cabo de gerações. Na medida em que as inúmeras objeções formuladas pelos opositores vão sendo dirimidas os fatos, leis ou teorias vão obtendo mais e mais consistência. Até que novas objeções deixam der ser produzidas e a realidade do fenômeno ou a percepção de sua estrutura torna-se manifesta: assim a lei da gravidade, a lei da conservação da matéria ou a teoria da evolução dos seres vivos...

Então devemos compreender a obtenção da verdade como uma marcha que se faz junto ou como um caminhar da própria espécie humana.

A lógica de Aristóteles, as dissertações metafisicas de um Descartes ou de um Spinosa; as lei de Gay Lussac, os princípios enunciados por Gregor Mendel ou a teoria do Big Bang são por assim dizer patrimônio cultural de toda humanidade.

M - Denota o ceticismo alguma formulação ideológica?

D - Na medida em que renunciamos ao conhecimento da realidade, renunciamos consequentemente a uma possível transformação da mesma pois para transformar é necessário antes de tudo conhecer.

Neste caso, na medida em que recusa-se a transformar ou mudar certa situação de mundo é evidente que o ceticismo favoreça a situação ou 'status quo'. Neste sentido podemos e devemos classifica-lo como um aliado, mesmo que ingênuo, do conservadorismo...

Trata-se aqui - e mais uma vemos pensamos o ceticismo em comunhão com o relativismo, idealismo, subjetivismo, voluntarismo, etc - de mais uma forma de alienação com que a estrutura social vigente procurar defender-se face aqueles que pretendem não só conhece-la, como avalia-la em termos duma ética ou axiologia ideal, e altera-la.

Para o cético a realidade de diversas situações humanas, como a miséria, a dor, a morte, a violência, a indignidade, etc é perfeitamente questionável e isto não pode deixar de beneficiar o comodismo. Pois sempre poderei estar diante de ilusões ou peças pregadas por minha própria mente...

Eis porque o marxismo, tal e qual o Cristianismo Católico Ortodoxo, empreende uma luta titânica a favor do dogmatismo, do realismo e do objetivismo; na medida em que pretende saber o mundo, julga-lo e alterar sua estrutura. O marxismo só pode afirmar a sí mesmo como solução válida para os problemas sociais na medida em que reconhece a realidade de tais problemas; o que implica, por necessidade, a adoção duma epistemologia dogmatista, realista e objetivista.

Aqui, neste terreno, Ortodoxia e marxismo caminham juntos, pois também o Cristianismo na medida em que propõe-se  a sanar ou superar situações de maldade/pecado; deve suster que tais situações sejam reais ou verdadeiras e não ilusórias (como sustentam a 'Ciência Cristã', a Sei cho no ie, etc).

Ademais pretende o Cristianismo Católico Ortodoxo, informar-nos ou fornecer-nos dados reais a respeito de Deus e do mundo invisível - Dai: Trindade, Encarnação, Restauração universal, Igreja, Sacramentos, etc - e não suposições ou hipóteses que deem espaço a qualquer tipo de dúvida; eis porque desde o século VIII adotou S João Damasceno o método Aristotélico pressupondo a veracidade de sua formulação epistêmica: dogmatista, realista e objetivista; a única que satisfaz aos objetivos e propósitos da mensagem Cristã em termos Católicos ou de Ortodoxia.

Furado este barco, tudo vai ao fundo: O Cristianismo Ortodoxo enquanto revelação divina e 'modus vivendi' (ética); o marxismo e todas as formas de socialismo e a ciência com a mística positivista tecida por Comte. Adotados os princípios de Pirro ou Hume nada resta em termos de religiosidade, de ética social ou mesmo de ciência positiva convertendo-se todo conhecimento humano em especulação frívola e tosca.

E já sabemos porque Karl Popper, retornando a Hume, referiu-se a teoria marxista, a psicanalise e ao evolucionismo como a crenças que em nada se distinguem da astrologia; e porque a astrologia, o criacioburrismo, o discurso fetichista, etc aspiram apresentar-se < na esteira do mesmo Popper > como teorias científicas...

Destarte pode o ceticismo ser revindicado pelo sistema econômico vigente, pela superstição, pela 'ética' individualista, etc como uma forma de proteção ou de defesa.

E nós podemos avalia-lo como uma crença que nivela todas as coisas...

E apenas por isto descarta-lo...

M - De fato, assumido o ceticismo até as últimas consequências e jamais poderíamos ter certeza a respeito dos crimes cometidos por Hitler ou Mengele... o maníaco do parque ou Richthofen. Historicamente poderíamos por em dúvida tanto o genocídio dos indígenas Norte Americanos narrado por Dee Bronw, quanto o genocídio armênio ou o Holodomor... geograficamente poderíamos negar tanto os períodos glaciais quanto o aquecimento global...

E o mundo seguiria confortavelmente por um rumo que nem sempre é bom...

D - Eis porque, de minha parte, dou por seguro e certo que, empreendendo certa medida de esforços alguma coisa o homem poderá vir a saber e a fazer.



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