sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Livro II - Do critério da verdade e da aquisição do saber> O antropocentrismo - subjetivismo gnoseológico

Nas civilizações e culturas primitivas todas as coisas giravam em torno dos deuses, numa perspectiva mágica.

E os deuses eram, por assim dizer, o 'critério' de todas as coisas. Tal o cárater do teocentrismo.

Dia houve porém em que o fetichismo foi substituído por uma visão de mundo tanto mais realista, a qual de certo modo, afastou - e com razão - para longe da maior parte das mentes a ideia de um deus interventor ou dum deus que atua diretamente e imediatamente sobre cada fenômeno natural. Desta purificação no que concerne a ideia de Deus - a qual se tornou bem mais exata - resultou a ideia do antropocentrismo, na medida em que o homem é reconhecido como agente que executa alguma coisa, como a organização social por exemplo, o ou que toma parte - como agente - no processo histórico; ou ainda como personalidade ética responsável por suas ações.

É evidente que ao menos parte destas revindicações são justas e válidas.

Fica mesmo difícil negar que o homem seja ao menos um dos pólos da organização social, política e econômica bem como do universo valorativo.

O que significa conceder-lhe certo centralismo.

Sucedeu-se no entanto com o elemento humano o mesmo que se sucederá antes com o elemento divino.

Destarte tal e qual o elemento humano era anulado ou negado diante do elemento divino passaram os homens a ignorar não só o elemento divino (aqui nos referimos apenas ao campo da ética) mas, o que é dramático, o elemento natural ou material em que o home, por assim dizer, subsiste.

Foi o homem convertido numa espécie de deus e como tal posto em meio as nuvens ou o nada; como se possuísse poderes mágicos ou miraculosos sobre a natureza.

Em termos de ciência vimos o antropocentrismo degenerar numa mística positivista por meio da qual a técnica passou a ser encarada como uma espécie de santo graal da modernidade.

Em termos gerais no entanto vimos que no exato momento em que Deus e outras entidades sobrenaturais eram destronados pelo homem, a própria terra - enquanto substrato, espaço ou habitat do homem - era destronada enquanto centro do universo... até que o próprio sistema solar e nossa galáxia foram relegadas a periferia de um universo imensamente gigantesco...

Assim a terra, morada do homem, passou a ser vista como uma espécie de grão de pó na orla do Saara... para não falarmos neste 'vírus' chamado 'homo sapiens'... o qual tendo eliminado - e com razão - e ideia de um espantalho interventor, julgou pode ocupar seu lugar enquanto centro de todas as coias e o último biscoitinho do pacote rsrsrsrsrsrsrsrs....

Com Stirner, Rand e outros sofistas, pretendeu o homem, excluir em absoluto a necessidade do elemento divino no plano ou campo da ética, relegando todos os princípios e valores que regem a convivência humana a sua vontade livre (tal o cárater da escola individualista)... Kant no entanto - na odiada 'Razão prática' - havia já esgotado o assunto, quando a necessidade imperativa dum Legislador externo cuja natureza transcendesse as motivações individuais ou partículares... de modo que o príncipe da literatura russa pode registrar: "SE DEUS NÃO EXISTE TUDO É PERMITIDO." fazendo - até certo ponto - éco aquele francês que século antes exclamará: "SE DEUS NÃO EXISTISSE PRECISARIA SER INVENTADO".

Que o homem, enquanto ser livre, corresponda a um dos pólos da vida moral é para nós ponto pacífico. Que constitua seu único centro ou critério absoluto... parece-nos no mínimo problemático.

Outros, após terem excluído - e com razão - o providencialismo PARALELO e quase mágico de um Bossuet cairam no erro não menos funesto de converter o mesmo homem em centro do processo histórico numa perspectiva que já foi classificada como idealista, voluntarista ou romântica; primeiramente pelo materialista Karl Marx (de certo modo retornando ao realismo aristotélico) em termos de sociologia e em seguida pelo Cristão Vidal de La Blache, em termos de geografia (mas também de história e sociologia) com o possibilismo... e em seguida com muitos outros autores interacionistas, que encaram a ação humana em comunhão ou relação com o meio e o meio como elemento a ser considerado face a ação humana, já como facilitador, já como limitador...

Sucessivamente foi o homem obrigado ou melhor constrangido a abrir mão de suas pretensões megalopáticas enquanto centro exclusivo disto ou daquilo para reconhecer a si mesmo como mero pólo inserido num esquema relacional... como Deus e homem (ética) ou Mundo e homem (sociologia, história, etc) ou como ínfima partícula em termos astronômicos...

Em suma, certa compreensão ingênua, ou melhor, versão (ou distorção) do antropocentrismo, tornou-se por assim dizer ridícula...

De campo em campo, de domínio em domínio, de área em área teve o homem de partilhar seu espaço e de reconhecer a si mesmo como parte ou parcela dentro dum processo muito mais amplo e complexo.

Os homens de escol, em geral não viram maiores problemas em limitar as pretensões da espécie e, alguns, fazendo alguma confusão, chegaram a postular a morte do humanismo ou, melhor dizendo dos humanismos; mesmo quando, imediatamente falando, o foco aqui é o antropocentrismo...

O homem medíocre todavia optou por resistir, inconscientemente talvez e sentou praça por assim dizer nos redutos do individualismo, subjetivismo, relativismo, idealismo, voluntarismo, etc não só no campo da ética ou da sociologia mas inclusive no campo da gnoseologia...

Na medida em que certa escola contínua ignorando supinamente a existência da coisa ou do objeto externo e afirmando o homem como critério absoluto ou suficiente da verdade. Afirmação pela qual converte-se o mesmo em centro do processo cognitivo...

E como a humanidade realiza-se em seres particulares ou em indivíduos; torna-se a verdade relativa a cada um deles e cada um deles passa a possuir a 'sua verdade'... Destarte já não há verdade una ou absoluta que possa ser percebida ou captada por toda espécie enquanto manifestação dum objeto que se lhe revela.

Nada que transcenda o palmo do nariz ou a esfera do partícular. Assim o que é verdade para o Aparício é encarado como erro por Roberto e o que é falso para Maria é sustentado como verídico por Lúcia sem que uma das partes esteja equivocada!!! Mauro afirma ser esta tela retangular, Carlos que é esférica e nem por isto algum deles pode estar errado pois cada qual possuí sua verdade: a verdade do Mauro e a verdade do Estevão... aqui o individuo é o critério da verdade.

Diante disto algum insolente pergunta a si mesmo: E o objeto??? Qual a cor, a forma, o peso, etc do Objeto???

Aqui o vezo antropocêntrico faz com que a outra parte da relação - a coisa ou o objeto a respeito de quem se fala - é supinamente ignorado, desprezado ou posto de lado.

E por que?

Simples: Porque se o objeto deve ser considerado e encarado como critério ou algo a ser examinado, os juízos contraditórios ou opostos a respeito deles podem ser encarados como verdadeiros ou falsos na medida em que correspondem ou não há uma qualidade que se faz presente ou ausente nele. Aqui o juízo partícular já não corresponde a última instância ficando sempre subordinado a evidência que procede do objeto... e como tal dependente do objeto.

Então o homem não é mais centro e sim pólo, numa relação de diálogo com o objeto.

Objeto que em certo sentido e medida tenta compreender, assimilar ou absorver intelectualmente.

Aqui a dificuldade; pois homens há que não desejam partilhar seu 'status' deixando de serem centros...

Face as decorrências desta perspectiva o subjetivismo/relativismo constitui excelente recurso.

Correspondendo mais uma vez a uma certa ideologia ou ideia preconcebida: aqui o antropocentrismo crasso ou o individualismo...

E sequer podemos duvidar de que o simples ato de encarar-se a si mesmo como centro do processo cognitivo seja tão lisongeiro ou gratificante quanto encarar-se como centro do sistema solar ou do processo histórico. Aqui ainda resta algo como que para 'consolar' o homem... 

Batido nas esferas da astronomia, da ética, da história, da sociologia, etc vem o bicho homem refugiar-se no regaço materno da gnoseologia e revindicar sua soberania...

Por meio do discurso subjetivista/relativista massageia o homem seu égo e infla ao máximo sua consciência...

Eis porque é tão difícil discutir ou dialogar com este tipo de gente que acredita ser construtor de suas próprias verdades individuais; pois implica JAMAIS CONSIDERAR-SE ERRADO!!! JAMAIS RECONHECER SUAS LIMITAÇÕES!!! JAMAIS ERRAR!!! ESTAR SEMPRE CERTO E EM POSSE DUMA VERDADE (mesmo sabendo que não é absoluta ou válida para os demais)...

Trata-se evidentemente dum discurso agradável, que fala as necessidades afetivas do homem e que mexe com sua vontade. Vontade, que no dizer do teólogo, é sempre irrefutável.

Angustioso saber que a solução subjetivista/relativista separa os homens ou os representantes da espécie na medida em que nega que a verdade una e absoluta possa ser partilhada pelos homens e que os homens possam estar de fato unidos pela posse de um determinado tipo de conhecimento e que este determinado tipo de conhecimento possa servir como 'elo de ligação' entre diversas pessoas...

Assim se perde de vista a comunhão que procede da posse da verdade objetiva pelos diversos sujeitos... e de algum modo fica como que enfraquecida a unidade ou a solidariedade humana.

Já aqueles que adotam o padrão da objetividade, abrem-se a possibilidade de que a posse da verdade venha a ser mais um elemento agregador ou unificador dos seres humanos, consolidando os laços da solidariedade. E irmanam-se fraternalmente na posse do conhecimento recebido...


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