segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Criteriologia - A vontade como critério determinativo da Verdade.

D - Há quem presuma ser a vontade o supremo critério porque temos acesso ao conhecimento verdadeiro

M - De fato já na Idade Média nos deparamos com as cogitações de Henrique de Gand e Duns Scot a respeito do primado da vontade no processo cognitivo. Para tais autores no entanto o que esta em jogo é o conhecimento de Deus e da Revelação (sobretudo no que diz respeito a seu aspecto Ético) e não o conhecimento do mundo físico ou natural...

Seja como for tais cogitações foram consideravelmente ampliadas por Tonnies e Wundt partindo de Kant. Estes autores descrevem todo processo intelectual como originário de impulsos de natureza volitiva. Fouillé retomou esta tese em 1893 na 'Psicologia das ideias força'.

Desde então as suposições de Descartes a respeito da autonomia absoluta do intelecto racional tem sido algo de críticas cada vez mais cerradas como a de Antonio Damásio.

D - Importa dizer que há alguma verdade por trás do voluntarismo?

M - A relação existente entre o intelecto racional e a vontade ou a afetividade tem sido cada vez mais salientada por certos pesquisadores como Wallon e Rogers; e não pode mais ser posta em dúvida ou minimizada.

D - Em que sentido?

M - Ao menos quanto a direção daquilo que é analisado e sabido. Embora a vontade - via de regra - não seja capaz de alterar os dados fornecidos pelos objetos postos face ao intelecto é evidente que cabe a ela dispor o intelecto para o objeto a ser conhecido. É a vontade que de algum modo seleciona o objeto do estudo ou do conhecimento.

Por que um escolhe a biologia e outro a sociologia como objeto de pesquisa?

Porque certas situações afetivas dispuseram a vontade para aquele domínio específico.

D - Assim o afeto ou a vontade produzem o que denominamos 'vocação'.

M - Nem podemos duvidar que situações agradáveis suscitadas por este ou aquele tipo de conhecimento sejam capazes de criar certas sinapses ou esquemas neurológicos que disponham a vontade para este ou aquele tipo de conhecimento.

D - Limitar-se-ia o papel da vontade a esta determinação setorial?

M - Além disto julgamos que quanto mais forte seja o amor ou o afeto disposto para um objeto tanto mais forte seja o desejo de conhece-lo ou de investiga-lo. Neste sentido não podemos negar que a vontade exerça um influxo positivo face a aquisição do saber... pois quanto mais alguém amar determinada coisa ou um bem proporcionado por ela, tanto mais se esforçara por compreende-la.

Tal o caso de alguns pesquisadores que dedicaram-se a encontrar a cura ou o tratamento para determinado tipo de enfermidade pelo simples fato de terem perdido um ente querido - um conjuge ou filho - vitimado por ela. Aqui o móvel da investigação e do sucesso obtido foi uma relação afetiva...

De modo geral podemos dizer que o acesso mais fácil para a verdade corresponde ao amor da verdade.

Todavia como só podemos amar aquilo que possui existência real, a pura e simples negação da verdade como objeto real, impossibilita sua apreensão na mesma medida em que nos impossibilita a ama-la.

D - Podemos então dizer que embora a vontade não possa ser levada em consideração como critério para a verdade, encontra-se, apesar disto intimamente relacionada com o processo de aquisição do saber?

M - Podemos sem sombra de dúvida admitir que a vontade impulsiona e orienta o trabalho do intelecto na medida em que direciona-o para este ou aquele objeto e não para outros. Assim cada qual buscara analisar e compreender antes de tudo aquilo que mais ama.

D - Admitida esta premissa segundo a qual o amor orienta o intelecto e aquela outra segundo a qual o fim último de nossa afetividade deve corresponder ao Supremo Ser; não seríamos forçados a concluir, como o homem medieval, que o estudo da teologia ou da teodiceia deve merecer nossa prioridade exclusiva face ao conhecimento científico que diz respeito ao mundo natural?

M - Penso que sustentar a exclusividade ou a prioridade absoluta do conhecimento teológico ou metafísico não corresponda a uma solução satisfatória.

D - E por que?

M - Por que caso compreendamos a existência do mundo natural como algo querido ou desejado pela vontade divina, seremos sempre obrigados a ama-lo, a estuda-lo, a compreende-lo e a conceder a ciência algum espaço em nosso esquema de conhecimento. Afinal na medida em que conhecemos algo querido e desejado por Deus conhecemos o próprio Deus ou a mente de Deus... e do conhecimento a obra ou do corpo passamos ao conhecimento do autor ou espírito.

Não se trata aqui de excluir qualquer tipo de conhecimento, qual seja o conhecimento científico; mas apenas de hierarquizar de modo a que determinado gênero de conhecimento ultrapasse ou complete o outro segundo a grandeza proporcional a seu objeto. Aqui valorizar os saberes teológicos e filosóficos não implica excluir os demais tipos de saber relacionados com a imanência; mas associa-los todos numa construção harmoniosa.


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