terça-feira, 3 de março de 2009

Ceticismo incoerente e isento de vida





D - Imaginava que os céticos nada afirmassem ou negassem.

M - Era de se esperar que nada afirmassem ou negassem, abstendo-se de formular qualquer juízo, afinal é a meta a que se propuzeram...

Neste caso deveriam permanecer silenciosos, mudos e calados; pondo em dúvida o próprio ceticismo...

Tal atitude, no entanto, opõem-se as leis da vida, sendo por isso mesmo impraticável.

Assim os céticos todos caem nas malhas da suprema incoerência propondo entusiasticamente o ceticismo.

Noutras palavras: SABEM que é impossível SABER qualquer coisa... ENTÃO COMO SABEM O CETICISMO???

A contradição salta a vista e compromete de tal modo o pirronismo que ele cai pela base como a estátua de Nabucodorosor... ele que julgava ser o colosso de 'Rodes' da Filosofia...

Afinal todo cético supõe saber ao menos uma coisa: que não é capaz de saber... Ora quem é capaz de saber uma coisa... sabe e é capaz de saber outras tantas. Segundo a lei dos 'precedentes'...

Para postular que não posso saber qualquer coisa devo antes saber o que é saber, o que sou eu, o que é o objeto sabido...

D - Compreendo.

M - Outro aspecto curioso no que diz respeito aos céticos consiste em vê-los lidar com o aparato ou o vocabulário técnico da Filosofia.

D - ???

M - Ao dissertarem sobre as maravilhas do ceticismo os céticos parecem reconhecer a existência dos sentidos bem como certa 'realidade' no que tange aos conceitos, ao juízo, a afirmação, a negação, a certeza e a dúvida; ora isto implica admitir já alguma capacidade cognitiva e a existência de algum elemento exterior a si.

D - Tudo isto chega a ser patético.

M - Nada mais patético do que ver um cético pontificando a respeito da dúvida universal...

Todavia como já foi dito o ceticismo é impraticável.

Ao contrário da grande maioria dos sistemas; que podem ser vividos, executados ou postos em prática; e que por isso mesmo possuem um sentido vital, o ceticismo é uma doutrina absolutamente teórica, sempre restrita a livros e gabinetes; e por isso mesmo sem existência real ou aplicabilidade em termos de concreção; tal a sua suprema miséria. Trata-se dum sistema que nada acrescenta ao mundo e a vida; servindo no mais das vezes para justificar uma vida cômoda e descompromissada...

É um 'não levar o mundo a sério' e deixa-lo exatamente como está... neste sentido o ceticismo não deixa de ser reacionário ou conservador na medida em que se fecha e se recusa dialogar com o mundo tendo em vista sua transformação... No entanto como poderíamos ser capazes de transformar um objeto a respeito do qual ignoramos absolutamente tudo???

D - O que o senhor esta querendo dizer com isso?

M - Budismo, Judaismo, Islamismo, Cristianismo, Cooperativismo, Comunismo, Capitalismo, Socialismo, Pacifismo, etc são teorias ou doutrinas vitais ou seja capazes de serem vividas por seus profitentes e de inspirar suas ações; o ceticismo não é apto para ser posto em prática, executado ou vivido, é uma frustração no plano da existência, puro e simples jogo de palavras... algo incapaz de promover intervenções radicais por parte do sujeito ou de inspirar todo um ideal positivo...

No frigir dos ovos, no exercício do viver quotidiano, na arena ou palco da vida todo cético vive conforme os précitos do dogmatismo. Como um muçulmano vivendo como Judeu ou um comunista vivendo como capitalista!!!

Se esta doente não exita em procurar um médico e não um mecânico ou um veterinário; tenta selecionar um bom médico, evitando qualquer charlatão e por fim aceita ingerir algumas gotinhas de laudano ou uma injeção de penicilina, sem cogitar que se trate de cloro ou de arsênico... ou sem permitir que a dúvida impeça-o de por em prática a terapia indicada... pois aqui haveria risco de vir a morrer!!! Portanto diante da dor e da morte - que são fenômenos demasiado reais e assustadores - a dúvida absoluta sai pela porta dos fundos e cede lugar ao conhecimento...

Destarte o nosso vaidoso pensador ou teórico recebe o médico, sua reputação tarimbada, os exames indicados, a dieta e as drogas por ele administradas tal e qual são aceitos na realidade, sem cogitar que constituam qualquer outro tipo de 'fenômeno' ou sequer parar para pensar e exercer a dúvida enquanto lhe dói o dente, o ouvido, o rim ou o estomago... caso o cético duvidasse das dores que o acometem e dos atrozes sofrimentos que estiolam seu corpo; não aceitaria a aplicação de anestésicos... das ventosas, sinapismos, injeções, fumigações, massagens, etc

Tal o caso da Sra Eddy, fundadora da 'Ciência Cristã' uma organização ultra idealista e volutarista que rejeita a existência real de qualquer enfermidade. De fato em seus livros, a Dra Eddy, ensinava que a dor e a doença não passavam de ilusões produzidas pela mente carnal e que todos os homens possuiam o poder da cura pela fé; sem necessidade de médicos, dietas, remédios, terapias, intervenções cirúrgicas, etc No entanto, como chegou a casa dos noventa, a ilustre matriarca passou a receber vizitas de inumeros médicos, se bem que pela porta dos fundos de sua manssão... O mesmo se dá com os adeptos da Sei Cho No Ie e de outras tantas religiões que asseveram ser o mal uma ilusão, os quais também ficam doentes e morrem, passando quase sempre por algum consultório médico, ingerindo remédios e fazendo tentativas de tratamentos como todos os outros seres humanos... embora as ocultas ou seja secretamente.

Tal a curiosa sorte dos filhos de Pirro e Anaxarco

Pois ao atravessarem as avenidas mais movimentadas de nossas cidades ai deles se puserem em dúvida a cor das luzes do semáforo. Convém não duvidar igualmente das placas de trânsito... seguindo reto onde esta assinalo curva...

A propósito Laértius discorrendo sobre a vida de Pirro reproduz uma anedota composta pelos céticos segundo a qual "Ele não se preocupava com qualquer risco que encontrasse pelo caminho fossem carroças, cães ou precipícios." buscando dar aplicações a seu ceticismo...  dia houve porém em que cruzou com um cão raivoso e, tendo este se lançado contra ele, o patriarca do ceticismo pos-se a fugir dem desabalada carreira. Diante disto seus discípulos principiaram a gargalhar, ao que saiu-se ele com estas esclarecedoras palavras: "COISA DIFÍCIL É LUTAR CONTRA A NATUREZA."

Noutro passo refere o mesmo cronista que tendo o mestre de Pirro, Anaxarco tombado num poço, este teria impassivel e fiel ao princípio da ATARAXIA ou da despreocupação, cogitando se o poço era de fato um poço e Anaxarco de fato Anaxarco... 

Aenesidemus no entanto, asseverava que "Embora ele - Pirro - em seus discursos sustentasse a suspenção do juízo; vivia procedia de maneira comum como as demais pessoas.". Eis porque, segundo o já citado memorista parece ter atingido a quadra dos noventa anos... pois duvidando de tudo e fazendo tão pouco caso de tantas ameaças reais sequer haveria de ter chegado aos trinta...

Situações como aquelas que acabamos de descrever multiplicam-se ao infinito nas vidas dos filhos de Anaxarco e herdeiros de Tímon...

Pois no fim das contas todos eles costumam ler receitas, bulas de remédio e manuais de instalação sem fazer praça de sua caprichosa teoria.

Não duvidam que a Coca-Cola seja Coca-Cola supondo que haja cândida ou detergente em seu lugar... ou seja costumam acreditar no que esta escrito nos rótulos dos produtos e até mesmo observar as respectivas datas de validade... pois não desejam consumir algum produto vencido, duvidando de que causa-se algum dano a saúde...

Não duvidam que um cão bravo possa morder-los, que um fio desencapado dê choque ou que caso venha a pular do vigésimo andar de um prédio virá a morrer fatalmente... Cético não tentar voar fora de um avião nem cogita em respirar debaixo dágua sem bomba de oxigênio. E mordido por um cão ou uma cobra dirigir-se-a ao serviço de saúde para tomar soro ou vacina, sob pena de vir a óbito... e se algum de seus entes queridos sofrer algum tipo de acidente procederá exatamente como determinam os livrinhos de primeiros socorros ao invés de ficar parado olhando e cogitando se a situação é real ou não... dificilmente ele virá a por em dúvida que sua mãe ou seu filhinho levou um tombo e esfolou o joelho...

Eles sequer questionam seriamente se seus pais são de fato seus pais uma vez que não se recordam do próprio nascimento e Agostinho já disse que este tipo de certeza pertence aos domínios da fé ou da confiança no depoimento fornecido por terceiros. Cético algum pensa duas vezes em abraçar seu pai como verdadeiro pai ou em beijar sua mãe como legítima mãe, todavia bebes tem sido trocados em maternidades ou até mesmo raptados... sem que tais eventos sejam levados em consideração pela maior parte deles...

Imaginem alguém que tentasse efetivamente duvidar de tudo, e assim viver, coerentemente, segundo a norma e regra da incerteza geral. Em que se converteria tal pessoa?

Num paranóico, num problemático, num maníaco, num gorgota... Pois certezas e verdades há que são necessárias a estabilidade psíquica, moral, afetiva e emocional de todos os seres humanos. Como poderiam os membros de um casal cujo contrato esta baseado na fidelidade mútua duvidarem perpetuamente da fidelidade alheia 'ad infinitum'??? Ou os filhos duvidando 'ad aeternum' quanto a legitimidade de seus pais?? E todos duvidando a respeito das bulas de remédio, das placas de trânsito ou dos manuais de instalação???

Felizmente o 'Sócrates' do ceticismo ainda não apareceu entre nós.

Como aquilo que é necessário por natureza pode comportar a impossibilidade de ser posto em prática? A pergunta fica registrada esperando uma resposta.

De fato o próprio Sextus admite que: "O cético não conduz a sua vida de acordo com a teoria por ele proposta ( tão longe quanto isso, ele está inativo), mas no que respeita à regulação da vida que ele é capaz de aspirar por algumas coisas e de rejeitar outras como se fossem o que são; isto porém de modo não filosófico mas segundo o costume comum. " (XI, 165).

Isto quer dizer que 'para bem viver' o cético deve acompanhar as apreciações ou juízos tais como formulados pelo senso comum; o qual enquanto 'pensador' aborrece e despreza!!! Noutras palavras, que seu 'modus vivendi' deve ser não filosófico, tomando por verídico aquilo que tende a repudiar como aparente mas que por exigências da vida prática não pode tratar como aparente sob pena de mal viver... destarte acomoda-se o cético as opiniões das massas sejam elas quais forem sem fazer caso da veracidade...

Implica pois o ceticismo numa recusa 'aprioristica' ao ato de filosofar ou seja de formular criticas ao senso comum, aderindo ingenuamente a ele por uma questão de impossibilidade prática do ponto de vista filosófico. E para nosso homem não há qualquer diferença significativa entre a ciência e o misticismo ou entre os discursos de um Copérnico e dum Lutero; as afirmações de um Spurgeon e de um Darwin... entre as constatações de Isaac Newton e as de um astrólogo qualquer...

Conclui-se pois que os verdadeiros céticos são aqueles que ocupam as celas ou aposentos de nossos hospícios e sanatórios; a exemplo de Franco da Rocha e Itapira. Todavia ninguém considera tais infelizes como filósofos ou intelectuais de vanguarda.

E no entanto há séculos que as recentes teorias filosóficas tem encontrado guarida em tais instituições terapeúticas. Ali apenas há quem pretenda de tudo duvidar tornando-se um risco para si e para os demais membros da sociedade. Há ali quem duvide de sua própria existência. Quem julgue ser outro, como Napoleão ou Jesus Cristo. Quem creia estar morto... Quem como Nietzsche acredite ser deus... e assim sucessivamente. Sintomático que alguns catedráticos da pós modernidade, do irracionalismo, do caos e do nihilismo, tenham proposto a libertação de tais pacientes questionando se não seriam mais normais do que a maioria de nós!!! Imbecis adormecidos no 'sono do dogma' e da convencionalidade...

Levemos a indagação mais adiante e questionemos se tais pacientes não são verdadeiros pensadores e se de fato não merecem ocupar uma catedra na USP ou na Sorbonne; a catedra de Filosodia moderna e contemporânea... Afinal idealistas, relativistas, solipsistas e céticos a rodo sobejam em tais lugares; transplantemos de imediato nossos energúmenos para os gabinetes de Filosofia onde saberão explanar com maestria a respeito dos avoengos Górgias, Protágoras, Pirro, etc e dos tetranetos: Berckley, Hume, Kant, Nietzsche, Heidegger, etc

Podemos pois classificar o ceticismo, se capaz for de por em dúvida toda miséria e sofrimento que há neste mundo - apelando as decantados conceitos de acatalepsia e ataraxia - como mais um fruto amargo e podre engendrado por esta nossa sociedade de consumo fundamentada em relações ou melhor em opressões de ordem econômica que precisam ser ocultadas... ou como mais um tipo de fuga face uma realidade social indesejável que percebemos não ser fácil transformar; e portanto, exercendo funções análogas aos do alcool, da bebida, da droga, do sexismo, do futebol, do fanatismo religioso de outras tantas formas de alienação catalogadas por K Marx e seus discípulos.

Nega o cético por uma questão de vontade, justamente porque não deseja preocupar-se; cuidando apenas em viver folgada ou despreocupadamente enquanto fenômenos ou eventos bastante desagradáveis acometem a maior parte da pobre humanidade.

Diante de tudo isto resta uma indagação: Que benefício concreto o ceticismo crasso seria capaz de comunicar a uma sociedade como a nossa ou a vida???

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