sexta-feira, 13 de março de 2009

Respostas as objeções formuladas pelos céticos.

D - "Clitômaco, Carnéades e os acadêmicos desesperaram de encontrar a verdade e julgaram que nossas faculdades são incapazes de descobri-la; daí concluirem pela fraqueza e ignorância do homem."

M - Compreendemos que tais personagens tenham desesperado por completo das faculdades do intelecto humano... alias coisa comum é o desanimar e desistir diante das empreitadas de maior dificuldade.

E no entanto, por capricho de contradição, exerceram juizo... segundo qual não se deve julgar absolutamente nada.... mas... se julgar, é predicar e o ceticismo é uma predicação positiva a respeito de nossa ignorância invencivel...

Julgar que não se deve julgar... ou postular intelectualmente a nulidade do intelecto parecem-nos atitudes bastante 'exóticas'... como a de Kant que negou metafisicamente a metafisica na medida em que elaborou uma metafísica do conhecimento...

Guiaram-se pois os acadêmicos, como já dissemos, pelo cálculo matemático das probabilidades, julgando assim poder chegar a verossimilhança que é, por assim dizer, uma aproximação da verdade.

No entanto como poderia aproximar-me de algo que não existe ou de algo que não me é dado conhecer?

Por outro lado se posso aproximar-me do conhecimento, sou levado a concluir que ele existe...

A menos que nos aproxime-mo-nos do nada...

Admitamos que nos seja dado atingir a aparência do conhecimento... neste caso nosso conhecimento continua sendo sempre incerto já porque a aparência não corresponde ao ser em si, já porque as aparências muitas vezes são artificiais e enganosas.

Por outro lado a simples ideia de 'aparência' remete-nos ao ser em si enquanto entidade real que jamais atingimos.

Significa o probabilismo a aquisição de um conhecimento inferior, que jamais chega a completar-se, que não é capaz de superar-se e tornar-se pleno ou melhor numa ilusão; na medida em que a coisa em si nos é negada, permanecendo sempre oculta. Importa pois em meio ato ou em nave que levanta vôo para logo em seguida cair... pois a cobiçada relação entre intelecto e o objeto jamais se realiza.

Equivale a circular em torno da verdade, em tatear ou chegar perto dela. É pois uma espécie de meio caminho percorrido... que no entanto não nos leva ou conduz a lugar algum; porque o objeto permanece sempre velado e envolvido pela obscuridade.

É confessar que o intelecto tende a posse da verdade, que é feito para ela, que busca-a, que procura-a, que quase consegue apreende-la, mas, que falha vergonhosamente nos últimos tramites e fica a dar voltas em meio a escuridão...

Do ponto de vista do ceticismo puro o probabilismo academico é um esforço absolutamente vão ou a busca por uma quimera jamais encontrada. É como se o homem corresse atrás de sombras e fantasmas que se desfazem ao romper da aurora... É como se alimentasse um desejo que jamais poderá ser concretizado...

Somente a esperança da posse da verdade justifica os mais nobres esforços e sacrifícios empreendidos pelos grandes homens tendo em vista sua aquisição. Afinal estar perto de Paris não é estar em Paris e estar próximo de Atenas não é estar em Atenas...

Afirmar ou julgar que nos aproximamos da meta ou do objetivo traçado sem concretiza-lo é convocar os homens a inação.

Ou nossas faculdades sensoriais e intelectivas são totalmente confiáveis, ou... do contrário, que proveito nos trariam??? Que proveito me traria um automóvel capaz de levar-se a S Bernardo se preciso chegar a S Paulo???

D - Tendo em vista a enorme variedade de correntes, escolas, grupos ou partidos filosóficos "Não seria melhor ficar fora da confusão?"

M - Já o patriarca Pirro tirava partido da existência de tantas escolas e sistemas para concluir que é impossível ao homem atingir a verdade. Agripa classifica este argumento como correspondendo a DISSENSÃO

No entanto o fato de haver tantos grupos filosóficos não implica que seus partidários estejam todos corretos a respeito do que discordam ou que discordem sempre e a respeito de tudo. Tampouco significa que todos os grupos estejam igualmente equivocados a respeito das matérias sobre as quais há discrepância, pois é perfeitamente possível que um dos grupos apenas haja dado com a verdade a respeito de determinado aspecto pertinente a determinado tema ou assunto. Mormente quando os temas e assuntos são tão numerosos quanto complexos

Discordam sobre alguns pontos e concordam a respeito de outros, há dissonâncias mas também há convergências; as quais por sinal são de grande importância.

Grande número de pensadores é Deista. Outro grupo bastante considerável é composto por Agnósticos.

Quanto aos pensadores religiosos via de regra são comedidos ou melhor dizendo semi deistas, repudiando a ação miraculosa do Supremo Ser no tempo presente.

Agnosticismo e deismo são grandes correntes em matéria de filosofia. Ateus constituem franca minoria e fetichistas, via de regra, desdenham do conhecimento filosófico, fazendo praça da ignorância...

No que diz respeito ao problema da natureza do conhecimento temos apenas duas ou se quisermos três hipóteses: Realismo, Idealismo e Criticismo... quanto a criteriologia temos Objetivismo e Subjetivismo e quanto a ontologia o Dualismo (seja platônico ou cartesiano), o monismo idealista e o monismo materialista.

Quanto a tese que estamos discutindo - sobre a possibilidade do conhecimento - há igualmente duas soluções possíveis: Ceticismo e Dogmatismo.

Não há pois que exagerar as dissenções ou controvérsias em matéria de filosofia pois a temática filosófica possui alguns grupos, centros de convergência ou teorias bem definidas: Ateismo, Deismo e Agnosticismo; Realismo, Idealismo, Criticismo; Ceticismo e Dogmatismo, Objetivismo e subjetivismo/relativismo; Dualismo, monismo materialista e monismo idealista; Altruísmo e Utilitarismo; Individualismo e Socialismo... etc

Dentro deste quadro há sistemas ou sínteses bastante harmoniosas como o Aristotelismo ou o tomismo, o materialismo dialético, o platonismo clássico, o Hegelianismo, o existencialismo e o padrão humanista/personalista de inspiração Socrático/Cristão; bem como soluções pessoais quais sejam o ecleticismo editado no século II a C por Antioco de Ascalon e Andrônico de Rodes ou o ecleticismo reeditado ultimamente por Maine de Biran, Victor Cousin, Royer Collard, Theodoro Jouffroy e Damiron. 

Evidentemente que tais sistemas não podem ser simultaneamente válidos, alguns deles sem embargo disto, são admiráveis pela coerência interna e dignos de exame crítico... Por outro lado podemos admitir como rigorosamente exata a sentença do citado Cousin, segundo a qual, cada um deles comporte certas verdades a serem extraídas e harmonizadas pelos espíritos mais elevados...

Inclinando-me eu, como todos sabem muito bem - ao menos quanto a ontologia, gnoseologia, epistemologia, teodicéa, etc - ao aristotelismo, sob vários aspectos - não posso, apesar disto, deixar de reconhecer, com os ecléticos, que o erro, no mais das vezes não passa duma verdade recortada, isolada e hipertrofiada... duma visão periférica ou duma aproximação.

Cada intelecto é pois convocado a examinar já os grandes sistemas de pensamento, já as principais idéias e teorias, já os temas, assuntos e questionamentos propostos de modo a tirar suas conclusões e a discernir a verdade... ao invés de assustar-se com a variedade das opiniões.

No fim das contas creio que há mais concordância do que discordância entre os pensadores se excluirmos os ateus, os idealistas e os individualistas.

Temos as idéias da verdade, de Deus, da realidade do universo, das leis naturais, da ciência, da virtude, da vida, do homem, da justiça, do belo, etc E isto não é coisa de pouca monta.

O fato de que nem todos possam apreender a verdade na mesma medida e concordar em todos os pontos não quer dizer que a verdade não exista ou que não exista um certo número de verdades fundamentais; mormente aquelas de cárater intuitivo já assinalado por nós.

Ademais, quanto a este ponto, devemos reconhecer o poder e a influência da vontade face ao intelecto, na medida em que muitos personagens ilustres - tanto da antiguidade quanto do tempo presente - mantiveram e sustentaram certas doutrinas estranhas, exóticas ou mesmo bizarras < algumas delas descritas por G Papini em 'Gog' >com o propósito puro e simples de atrair a atenção e de arvorarem-se em mestres dum grupo mais ou menos extenso de profitentes, com as decorrentes vantagens em termos de fama ou mesmo de proventos financeiros...

D - "Se se encontram sobre um mesmo assunto razões idênticas a favor ou contra, deve-se suspender o juizo... não há como falar mais a favor do que contra."

M - Segundo Timon, o silógrafo - em nome de Pirro - "Qualquer afirmação poderia ser contradita por argumentos igualmente válidos.".

Caso Timon ou seu mestre tivessem dito que qualquer afirmação poderia ser contradita por outra ou por argumentos opostos estaríamos de pleno acordo.

O que negamos e de modo algum admitimos é que os argumentos de quem afirma e os de quem contradiga possuam sempre e inevitavelmente a mesma força ou peso... a ponto de não sermos capazes de atinar com os quatro lados de um quadrado ou com a mamiferidade de um cão.

Longe de nós por em dúvida que alguém seja capaz de atribuir três ou cinco lados ao quadrado ou de negar que o cão pertença ao grupo dos mamiferos...

Argumentar que uma ave possua glândulas mamárias, pelos, plascenta, etc até é possível; mas não seriamente...

De fato, nos casos em que haja número equivalente de evidências tanto a favor, quanto contra, é necessário suspender o juizo e duvidar ou sendo a evidência para um lado ligeiramente maior, é recomendável opinar, isto, diz, não o ceticismo, mas a boa e perene filosofia.

A filosofia perene nada postula ou propõe como exato antes de ter examinado e respondido satisfatoriamente a cada uma das objeções emitidas por seus oponentes e defendido suas teses com argumentos decisivos e a toda prova. Por isto ao tratarmos da Existência de Deus, não nos contentaremos em expor todas as evidências e argumentos elencados por Platão, Aristoteles, Cícero, etc Mas analisaremos detidamente, cada um deles, sobre todos os aspectos possíveis levando em conta as críticas tecidas já por Hume, já por Kant, já por seus seguidores agnósticos, fideistas, etc Para só então examinar e dar resposta aos argumentos de Broussais, Faure, Le dantec, Onfray, etc opostos a sua existência, e não passaremos adiante sem  tudo ter examinado e a tudo ter respondido conforme o caso.

O problema é que os céticos estendem esta paridade absoluta quanto as evidências e argumentos a todas as questões, o que segundo julgamos não procede.

Do contrário nossos tribunais e fóruns jamais chegariam a qualquer veredito a respeito dos casos propostos a apreciação, as discussões prolongar-se-iam ao infinito e a justiça jamais seria implementada. Tais situações de paridade e confusão efetivamente ocorrem, convém no entanto evitar as generalizações infundada apresentando-as como uma espécie de lugar comum.

Assuntos e casos há que possibilitam uma demonstração cabal dos argumentos e fatos, estabelecendo a verdade em sua limpidez e inteireza.

D - O mesmo Timon faz observar que 'Juízo algum pode ser considerado melhor que outro.'.

M - Nós no entanto pensamos que o juízo que mais se aproxime do objeto, exprimindo sua essência ou alguma de suas qualidades; mereça ser considerado como melhor, superior ou verdadeiro.

Por exemplo aquele que é capaz de captar a cor azul duma parede azul parece-nos mais digno de crédito do que aquele que atribui-lhe qualquer outra cor. E tanto mais adesões recebe este juízo tanto mais seguro fica...

Assim aquele que é capaz de inserir o pombo no grupo das aves, tomando por ponto de partida a forma de seus ossos, a presença de penas, a ausência de dentes e a reprodução ovipara do animal; parece-nos muito maios digno de crédito do que aquele que pretenda inseri-lo em qualquer outro grupo.

Alias na medida em que o juízo é expresso pela linguagem e socializado, expondo-se a crítica dos demais e resistindo a ela, as garantias de credibilidade vão se tornando cada vez maiores. E podemos dizer que o controle externo exercido pelos demais sujeitos percipientes e reflexivos torna-se fiador seu.

A presença ou ausência do atributo ou predicado em determinado objeto, garantida pelo testemunho conjunto ou mútuo, é o que faz com que um juízo de afirmação ou de negação receba sua consistência.



D - "Deus não quis que conhecessemos o sentido das coisas, mas que nos limitassemos a usa-las."

M - Outra afirmação gratuita...

Neste caso produzindo criaturas incapazes de adquirirem o conhecimento da natureza das coisas, deus teria produzido não só criaturas ignorantes, mas criaturas fadadas a um tipo de defeito ou de imperfeição insuperável e incorrigível.

Teria deus disposto o homem para a ignorância como para uma espécie de bem ou virtude.

Quiçá receando que o homem, aprendendo, viesse a tornar-se igual a ele.

Tal o sentido dos primeiros capítulos do Gênesis, segundo os quais deus dos israelitas fizera o homem para a ignorância do bem e do mal.

Que Deus tenha concebido criaturas, a princípio ignorantes, porem capazes de tomarem posse, gradativamente, da sabedoria, mesmo que a custa de titânicos esforços, compreende-se muito bem. Neste caso teria produzido o imperfeito para que tomasse posse da perfeição por iniciativa própria, o que é assaz admirável e constitui, por sinal, o fundamento do mundo axiológico...

Agora que tenha encadeado perpetuamente todas as gerações a um estado de ignorância invencível, e permitido simultaneamente que nelas aflorasse a curiosidade e o desejo de adquirir o conhecimento da verdade, só se fosse um deus mau ou um anti deus... i é, uma espécie de 'diabo'...

A simples possibilidade do homem poder construir, como pode, um conceito tão belo quanto o da verdade associado a impossibilidade de tomar posse dela constitui, admitida a existência de qualquer tipo de deus, uma monstruosidade moral e prescindido de qualquer tipo de deus, uma tragédia de imensas proporções.

Julgo que um deus promotor do ceticismo não deveria sequer ser objeto de dúvida, mas de negação, como ser mesquinho, egoísta, imperfeito e logo, desnecessário. Pois um deus isento de perfeição não é de modo algum necessário.

Para mim a adesão ao ceticismo seria sempre restrita pois comportaria sempre uma certeza básica: não há qualquer tipo de deus...



D - "O verdadeiro e o falso existem, mas não podemos conhece-los."

M - Tal afirmação não passa de rematado sofisma.

Só o verdadeiro existe enquanto ser e substância.

Se o verdadeiro é a afirmação da qualidade presente num objeto, a presença de tais e tais qualidades no objeto constituem já uma espécie de verdade que classificamos como ontológica ou factual. Tal a concordância da coisa consigo mesma e com seus atributos constituitivos, sob pena de ser outra coisa.

Se o falso é o oposto ao verdadeiro fica assente que nem pode subsistir - no objeto - com a qualidade existente no caso da negação ou deixar de subsistir no caso da afirmação. Importa dizer que ele jamais subsiste em si mesmo mas apenas subjetivamente na mente ou intelecto daquele que erra.

Uma vez que a capa do livro é toda vermelha ao afirmar 'A capa do livro é azul' temos um juízo falso determinado pela ausência da qualidade azul no objeto; importa dizer que este juízo jamais ultrapassa sua formulação e expressão... por outro lado ao negar 'A capa do livro não é vermelha' temos um juízo falso determinado pela presença no objeto duma qualidade que negamos, portanto a realidade em si continua não correspondendo a predicação que fazemos... errar é sempre não corresponde ou não ser.

Constitui pois o erro fenômeno puramente psicológico, o qual ontologicamente falando inexiste...

A realidade do falso ocorre exclusivamente no plano interno ou mental, o falso é um ente de razão concebido por falha sensorial ou intelectual e não um ente existente em si mesmo fora daquele que veio a concebe-lo.

Ora se o falso pode existir na mente do sujeito porque a verdade enquanto relação de conformidade entre o objeto e a predicação, não pode existir da mesma forma em sua mente?

Seria o caso da verdade existir apenas no objeto e a falsidade apenas no sujeito? É o que parece supor o ceticismo e assim supondo mostra que no fundo, no fundo não passa dum preconceito ou dum pessimismo com relação ao próprio homem e suas aptidões.

Parece-nos que o ceticismo comporta certa doze de pessimismo antropológico.

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