sexta-feira, 6 de março de 2009

Respostas as objeções formuladas pelos céticos.

D - Constituindo o ceticismo abominável contra senso como de fato o é, porque tantos pensadores ilustres  - como Górgias, Protágoras, Pirro, Aenesidemus, Sexto, Montaigne, Hume, Popper, etc - tem se dedicado a sua defesa e sustentação?

M - De nossa parte julgamos que tais personagens defenderam-no com toda candura e boa fé, pois a contradição presente no âmago do ceticismo não é explícita ou evidente por si mesma. Precisa pois ser mostrada ou posta aos olhos do cético.

É necessário antes de tudo, tornar patente ao cético, as certezas implicitamente presentes no estado dubidativo, e posteriormente, analisar cada um dos argumentos ou objeções com que costumam impugnar o dogmatismo. O que pretendemos fazer agora e, para que faça-mo-lo muito bem tu deves exercer o papel de advogado do Diabo...

D - Esforçar-me-ei desde já por vindicar o ceticismo.

M - Sei que te esforçaras.

D - "A cegueira da alma não somente induz o homem ao erro, mas ainda a amar seu erro." Montaigne, Apologia a Raimond Sebond

M - Todavia não pode existir cegueira absoluta ou universal, conforme a cegueira é relativa a visão enquanto privação da mesma.

Logo, antes de existir o cego pela carência da visão, deve certamente existir aquele que vê ou o lúcido pela posse da mesma.

A existência da cegueira não depõe contra a existência da visão e tampouco da luz, antes supõe a existência tanto duma quanto doutra, as quais opõe-se por assim dizer correspondendo a privação.

Só porque alguns infelizes não são capazes de contemplar os raios do sol, concluiremos que todo o gênero humano é igualmente incapaz de contempla-lo???

Assim se sucede no mundo do saber ou do intelecto: embora existam almas ou espíritos cegos e fixados invencivelmente no erro, também existem espíritos habilidosos que apreendem e estimam a verdade, inda que a custo de inúmeros sacrifícios.

Nós não negamos a existência da cegueira e da ignorância, os céticos é que absolutizam-nas... ao anormal tomam por normal, as exceções transformam em regras, ao defeito convertem em sanidade...

D - "O corpo corruptivel entorpece a alma e essa morada terrena a deprime no próprio exercício do pensamento." iden

M - Aqui estamos diante dum preconceito - ou seja dum conceito anteposto a investigação - bastante antigo e de certa forma presente já nos escritos do velho Platão e que foi reforçado ainda mais por obra e graça de Plotino e sua escola, donde passou a Agostinho e a Cristandade, recebendo inclusive certas 'colorações' ou temperos de maniqueismo.

Refiro-me a suposta indignidade da matéria, do corpo e dos sentidos em oposição ao espírito, a alma e ao intelecto.

Segundo os referidos mistagogos deus teria enfiado a alma humana numa espécie de cela ou catafalco: o corpo, e este seria a causa de todos os seus sofrimentos e desgraças.

Como os sentidos são antes de tudo órgãos corporais... as informações recebidas por eles devem ser consideradas como sendo, no mínimo suspeitas.

Toda a casta de idealistas ou de espiritualistas desbragados aborrece o corpo físico e desconfia dos sentidos...

Como nos achamos diante duma afirmação gratuita - o cárater inferior ou indigno do corpo físico - bem poderíamos gratuitamente negar; conforme o princípio: TUDO QUANTO É GRATUITAMENTE AFIRMADO PODE SER GRATUITAMENTE NEGADO...

Melhor todavia é problematizar e refletir.

Eis porque julgamos que o Supremo Ser, tendo em vista informar a alma sobre o mundo externo, colocou a serviço da mesma um substrato altamente evoluído e capaz: o corpo ou melhor os sentidos. Assim corresponde ele - o corpo - a um instrumental da alma e instrumental graças a que lhe é dado explorar o mundo físico e natural.

A própria afinidade entre o objetos e o veículo do conhecimento indica-nos isto. Adequados são os sentidos para explorar uma realidade que é antes de tudo composta e material. Partilhando da mesma categoria de substância as coisas/fenômenos e os sentidos são perfeitamente capazes de estabelecer uma posição relacional.

Encaramos pois o corpo ou os sentidos da mesma forma que encaramos uma laranjeira, cujo fim ou objetivo é produzir laranjas. Assim o corpo e os sentidos estão dispostos para conhecer as entidades materiais...

Corresponde o substrato físico do homem a um instrumental naturalmente adequado tendo em vista o preenchimento do intelecto e a sua posterior reflexão. Caso os sentidos falhassem miseravelmente em sua tarefa de informar o intelecto seriamos inferiores a um pé de laranja lima.

Ao contrário do que supõe os mistagogos nós sustentamos que o aparelho sensorial serve justamente como uma espécie de ponte colocada entre dois extremos: nosso espírito e o mundo das substâncias materiais e compostas.

D - Montaigne na já citada Apologia brinda seus leitores com toda uma série de exemplos concernentes a inteligência animal, querendo insinuar com isto que a posse do intelecto não é um privilégio exclusivo dos seres humanos. Parece-lhe pois sumamente absurdo que o intelecto humano nutra pretensões exclusivas sobre a aquisição da verdade...

M - Aqui trata-se de mais uma variante do primeiro 'Tropoi' de Aenesidemus reproduzido em sua 'Pyrrhoneia' - cujos extratos foram preservados no "Myriobiblion" de S Fócio. Eis o conteúdo do Tropoi: "Diferentes animais manifestam diferentes niveis de percepção."

Efetivamente, no tempo em que Montaigne floresceu, como de certa forma ainda hoje, a grande maioria das pessoas - ignorando supinamente a matéria em questão - julgava que os animais não passavam de seres absolutamente privados de inteligência e inaptos para apreender qualquer tipo de conhecimento. Assaz conhecida é a fábula segundo a qual o Pe Malebranche costumava chutar sua cadela de estimação por estar convencido de que o animalzinho não passava duma máquina desprovida de qualquer tipo de sentimentos ou afetividade.

Tais gênero de pessoas, induzidas pelos exemplos elencados, concluiria muito naturalmente que 'se a inteligência não capacita os animais a apreenderem qualquer tipo de coisa ou verdade' tampouco haveria, a mesma qualidade, de capacitar ao homem para apreende-la... Dificilmente tais pessoas concederiam aos animais ou brutos, como costumavam ser classificados naquelas priscas eras, qualquer tipo de acesso ao saber.

Como se não fossemos nós também animais ou como se os animais tendo acesso a certo nível de conhecimento pudessem por assim dizer profana-lo...

E no entanto não pertencemos ao grupo dos minerais ou ao grupo dos vegetais... E tampouco correspondemos a qualquer tipo de 'criação' a parte, especial ou superior.

Somos pois vertebrados, mamíferos e primatas...

No frigir dos ovos sabemos que Voltaire - há cerca de dois séculos e meio - foi capaz de notar a capacidade cognitiva dos animais e que entre nós, um engenheiro; Garcia Redondo, publicou um opusculo a respeito, cerca de cem anos (Em 1908). Posteriormente ( a partir dos anos 80) diversas publicações científicas, como National Geographyc e Science retomaram tais pesquisas, chegando as mesmíssimas conclusões...

Diante de tudo isto a que conclusões deveríamos chegar?

Partindo do fato segundo o qual os mesmos fenômenos perceptivos e cognitivos apresentam-se tanto nos seres humanos quanto nos animais, parte de nós optaria por salvaguardar o cárater hermético da coisa em si - ou noumeno - questionando a validade dos fenômenos cognitivos em geral independentemente da origem... postulando o ceticismo universal e afirmando que nem uns nem outros - animais ou homens - são capazes de saber qualquer coisa...

Estranha forma esta de se vindicar a 'dignidade ímpar' do homem propondo sua ignorância invencível.

É como se para salvaguardar a dignidade do Cristo Redentor ou da Estátua da Liberdade, devessemos po-las abaixo...

De fato aqui homens e animais são como que nivelados, mas com o premeditado intuito de apresenta-los como inaptos face a uma videira que produza uvas ou de de uma bananeira que produza bananas...

Pois ao contrário duma árvore frutífera que por algum motivo não produz fruto; homens e animais, na medida em que são dotados de auto consciência seriam capazes de perceberem a si mesmos como frustrados na medida em que são incapazes de realizar um ato para o qual foram dispostos... na medida em que natureza acenou-lhes com uma posse que não pode ser satisfeita; pregando-lhes uma peça. Aqui a auto percepção associada a posse de um aparelho cognitivo complexo adquiriria o significado duma tragédia...

O homem seria capaz de conceber e aspirar por um bem - no caso o conhecimento da verdade - que a natureza situou para além de suas possibilidades...

Diante desta meia ignorância, o personagem Cypher estaria cabalmente certo ao afirmar que: "A Ignorância equivale a felicidade."... Afinal para que saber que somos incapazes de saber ou invés de nada sabermos em absoluto como as pedras e pedaços de madeira... para que saber que buscando o conhecimento corremos em busca duma folha batida pelo vento e sempre transportada para longe de nós??? Que benefício adviria do fato de termos consciência duma ignorância que jamais pode ser superada???

Aqui a auto consciência e a auto percepção corresponderiam a desvantagens e nós humanos corresponderíamos na verdade ao derradeiro estádio duma trajetória que num determinado momento tomou a direção errada...

Eis porque - dentro duma perspectiva evolutiva - não partilhamos de tais preconceitos com relação aos animais e reconhecemos sem maiores problemas que eles - especialmente os mais próximos de nós e cujo aparelho cerebral é tanto mais desenvolvido - também são capazes de perceber e de conhecer o mundo em que vivem, ao menos em parte.

Que meu cão apreenda verdades e que tenha certeza quanto a sua validade, verifico-o eu mesmo ao ve-lo comer mato ou ervas quando incomodado por lombrigas; e ele não duvida por um instante de que o capim seja capim e tampouco confunde-o com as ervas venenosas que crescem junto a ele. A tais fenômenos, certas pessoas ignorantes e pretensiosas, atribuíram o pomposo nome de instinto, querendo com isto autorgar-lhe certo ar de fetiche ou mistério... Afinal alguns termos são tão genéricos e capiciosos que ao invés de elucidarem qualquer coisa, obscurecem o assunto.

O homem - como animal mais desenvolvido na escala evolutiva - graças a uma capacidade tanto mais acentuada para abstrair é capaz de apreender uma carga maior de verdades tanto mais complexas, mas, nem por isso, menos verídicas.

Ao verificarmos que os animais também são aptos para captar certas categorias da verdade, ao invés de desesperarmos quanto a capacidade do intelecto humano deveríamos concluir que a aquisição e construção do saber também corresponde a uma escala evolutiva ou progressiva.

Como animais um tantinho mais aprimorados do ponto de vista cognitivo - tendo em vista o tamanho e a estrutura de nosso cérebro - possuímos a capacidade de abstrair num grau mais acurado do que qualquer outro ser, capacidade por meio da qual formulamos conceitos tanto mais elaborados e aprofundamos a senda do conhecimento até um nível jamais atingido por qualquer outra forma de vida. Da mesma maneira nossos irmãos animais percebem e compreendem numa escala inferior, todavia válida e certa...

Quanto a observação de Aenesidemus a respeito dos diferentes niveis de percepção cabe dizer que se tais fenômenos encontram-se em escalas ou niveis diferentes não pode haver qualquer contradição entre eles. Pois a contradição só pode existir em se tratando da mesma categoria ou aspecto... nível, escala ou faixa. Seria como negarmos a existência das marés só porque variam de níveis ou a existência da temperatura pelo mesmo motivo...

Variam de fato os niveis de percepção conforme o estado de perfeição ou acuidade do aparelho sensorial.

Isto não quer dizer que aquilo que é percebido pelos aparelhos mais rústicos e grosseiros seja falso, ilusório ou inexistente; percepção fragmentária, parcial ou mesmo um tanto superficial e obscura jamais equivalerá a percepção errônea...

Neste caso a percepção duma lajota que compõe da calçada ou mesmo dum fragmento da lajota que compõe a calçada por uma barata ou por um rato é tão real quanto a percepção da integralidade da calçada pelo homem; a diferença esta apenas na proporção mas não na substância - por sinal percebida por ambos os seres como sólida e não como líquida ou vaporosa - na escala e não na coisa ou no ser em si.

A simples ideia duma escala de percepções e sensações segundo o 'tamanho' ou a complexidade do ser em questão já nos remete de imediato a suposição de que há uma escala de participação no conhecimento da verdade. Neste caso os conhecimentos obtidos pelos animais mais evoluídos e capacitados completam e aperfeiçoam os conhecimentos obtidos e adquiridos pelas formas de vidas mais elementares. Aqui podemos falar em elevação, ascensão e ampliação do conhecimento, antes de falarmos em contradições absolutas e invencíveis. São categorias de conhecimento ampliadas, aprofundadas e ultrapassadas com relação as quais a visão localizada ou limitada pela dimensão de cada ser percipiente vai assumindo cada vez mais e proporcionalmente uma visão de conjunto cada vez mais dilatada e complexa - té que da percepção dum pequeno fungo pela formiga atingimos a percepção do universo pelo homo sapiens, o homem capaz de saber.

Níveis, escalas e faixas de percepção e cognição vão se sucedendo segundo a capacidade de cada ser e os objetos examinados vão se tornando cada vez mais nítidos na medida em que a visão limitada das partes - que são reais - vai cedendo espaço a visão do todo.

D - "Quanta gente não fica doente unicamente por efeito da imaginação. É frequente vermos quem se faça sangrar, purgar e medicamentar para curar males que só existem porque os imagina ter." iden  Assim Descartes: "Com efeito haverá coisa mais íntima ou mais externa do que a dor? Pois não obstante soube eu da existência de algumas pessoas que mesmo tendo os braços ou as pernas amputados, que apesar disto, sofriam sensações de dor em tais partes do corpo das quais estavam já privadas e isto me fez sustentar e supor que jamais poderia estar realmente certo de que qualquer um dos membros doesse de fato embora eu mesmo sentisse dor." in Meditações sobre a Filosofia primeira

M - Certamente que a imaginação ou a fantasia exerce um grande influxo sob o corpo e a própria vida humana. Quem haverá de nega-lo?

Desde Mesmer, isto é, há mais de dois séculos que os fenômenos relacionados a auto e a hetero sugestão tem sido amplamente estudados.

Todavia do fato segundo, sob certas circunstâncias peculiares e 'anormais', a imaginação seja capaz de 'plasmar' um certo tipo de personalidade ou cárater, não nos autoriza a concluir que todos os seres humanos sejam dominados por ela do mesmo modo, no mesmo grau e independentemente das circunstâncias; a ponto de tornar-lhes impossível a apreensão da realidade externa e objetiva e a possibilidade de marcar alguma distinção entre os dois estados considerados. Mesmo porque o influxo da fantasia sob a personalidade pode ser contido por meio da disciplina e o cárater moldado numa perspectiva tanto mais realista...

Alias, se assim fosse, diante dos mesmos objetos externos ou elementos do mundo, cada qual teria uma percepção ou experiência totalmente diversa das demais, conforme é típico da imaginação variar assumindo formas extravagantes e incomuns. Dizer-se-ia que caindo na extravagância, face a uma realidade prosaica, a fantasia trai a si mesma e revela-se publicamente.

A própria imaginação que se desvia por completo da realidade e que por assim dizer, entrega-se ao delírio e a outros estados mórbidos parece ser antes uma exceção ou anormalidade que uma constante. Somos capazes de ter experiências semelhantes ou comuns e sobre elas construir um patrimônio de saberes igualmente comum porque recorremos a percepção e a reflexão, fenômenos corporal e estruturalmente bem distintos da vontade e da imaginação inda que muitas vezes influenciados por elas; mormente nos casos em que a educação deixou de cumprir com seu papel... pois um dos principais objetivos da formação intelectual é justamente emancipar a percepção e a reflexão face o império subjetivo da vontade; o que implica antes de tudo distinguir as duas categorias de fenômenos: o imaginativo do experiencial, dando preferência a este em detrimento daquele.

Caso todos os homens fossem completamente dominados pela imaginação - com sua ampla gama de manifestações - a convergência experimental, que está na base da ciência jamais se verificaria e jamais se chegaria a qualquer acordo ou consenso. ( Como no caso da mítica Babel ) Entende-mo-nos e concordamos justamente graças ao fenômeno da percepção e identidade dos conceitos formulados a partir dela.

"Concluímos em favor duma realidade objetiva porque a impressão é COMUM É DIVERSOS SERES PENSANTES E PODERIA ATÉ SER COMUM A TODOS." Henri Poincaré in 'O valor da ciência'

A simples ideia duma fantasia absoluta parece bastante problemática uma vez que o conceito de fantasia ou de imaginação contrapõem-se ao conceito de realidade; supondo que ao menos algo a que nos contrapomos seja real... perdendo seu contraponto real e assumindo um cárater absoluto ou exclusivo a fantasia passa a assumir o cárater da realidade. A mesma ambivalência torna-nos capazes de discernir entre os estados de espírito provocados pela imaginação e por assim dizer 'anormais' e os atos conscientes movidos pelo intelecto; e sequer poderíamos conceituar o 'sugestionável' sem admitir o não sugestionável...

Nem podemos compreender que alguém podendo criar seu próprio mundo por meio da imaginação ou da fantasia crie para si mesmo um tipo de mundo tão indesejável, vulgar e grosseiro em que prevalecem a miséria, a enfermidade, a decrepitude, a dor e a morte; além da ignorância é claro... posto esta que qualquer um de nós eliminaria tais fenômenos de seu mundo imaginário.

Portanto ao nos depararmos com um tipo de mundo real; que esta em franca oposição face a nossos desejos e vontade somos levados a concluir que não somos seus produtores e que sua existência não é determinada por nossa imaginação ou fantasia; antes nossos devaneios, em termos de imaginação, correspondem a uma espécie de fuga diante duma realidade que percebemos ser muito difícil de transformar.


D - "Lembro-me das coisas que quisera esquecer e esqueço das que desejara lembrar."

M - Que quer dizer Montaigne com tais palavras?

D - Deseja ressaltar os caprichos de nossa memória.

M - Hoje no entanto - no mundo post freudiano - sabemos que existem dos tipos de memória: a consciente, que temos a flor do intelecto e quase sempre a nossa disposição e a inconsciente, que sequer julgamos possuir.

As pesquisas todavia chegaram a conclusão de que percepção ou experiência alguma perde-se, mas que permanecem todas fixadas, gravadas ou arquivadas em nossa mente.

Por vezes elas afloram numa sessão de hipnose, num sonho ou num delírio febril, patenteando que estão ali subjacentes, e sem embargo vivas, apenas aguardando algum tipo de estímulo.

Quanto as percepções e experiências que permanecem na esfera da consciência, existe um critério bastante exato para elas, nossos sentimentos ou estado emocional. Marca-nos tudo aquilo que nos proporcionou prazer ou dor, alegria ou sofrimento, num grau mais ou menos profundo ou intenso.

Por isso quando desejo esquecer de algo que me desagrada, lembro-me, e quando desejo gravar uma informação de certa forma interessante para o intelecto, mas desligada de qualquer conteúdo emotivo ou sentimental, esqueço-a.

Felizmente graças as modernas descobertas feitas no terreno da psicologia, os educadores e pedagogos estão cada vez mais tentando associar sensações agradáveis e prazerosas a construção do saber e procurando com isso facilitar sua retenção na esfera da consciência.

Há também uma série de jogos e estratégias que tendem a facilitar a memorização de dados e informações que julguemos importantes.

Quanto melhor conhecermos o mecanismo da memória tanto melhor poderemos explora-lo e tornar ainda mais fecundos nossos esforços cognitivos em demanda da verdade.

D - Demócrito vendo que os anos lhe haviam enfraquecido as faculdades, preferiu matar-se e assim voluntariamente abandonar a existência.

M - Da-me a interpretação do 'homem' sobre tal citação.

D - Quiz insinuar que conforme envelhecemos nossas faculdades sensitivas e intelectuais declinam tornando dificil ou até mesmo impossivel a aquisição do saber. Este juizo cético também corresponde a um dos 'Tropói' de Aenesidemus: "Os dados variam ao longo do tempo acompanhando as alterações físicas."

M - Uma coisa é o intelecto vir a luz já arruinado por completo ou inapto para adquirir o saber e outra totalmente distinta é seu enfraquecimento subsequente e gradativo, bem como dos sentidos que lhe servem como portas e janelas para o mundo material. No primeiro caso temos um fenômeno até certo ponto incomum e que corresponde ao retardamento mental enquanto no segundo tempos dois tipos de fenômenos mais ou menos comuns que fazem parte a dinâmica da própria natureza: a senilidade e a falta de acuidade sensorial...

No primeiro caso podemos citar a esclerose, o alzheimer, etc & no segundo a cegueira, surdez, paralisia, etc  
e somos inclinados a crer que a segunda categoria de fenômenos seja mais frequente e comum.

Tornemos no entanto ao raciocínio. Pois se algo - como sentidos ou intelecto - declina, é porque antes gozou de integridade, potência e plenitude.

Alias nós não questionamos este 'Tropo' pelo simples fato de que vinculamos as percepções a um aparelho sensorial de natureza física ou material, o qual por isso mesmo acompanha o organismo corpóreo em suas alterações e declínio. Portanto quando falamos em produção científica, em reflexão filosófica e em termos de experimentação e contato com a realidade; salientamos a posse dum aparelho sensorial e cognitivo em perfeitas condições; mormente durante da idade adulta ou situada entre a infância e a decrepitude.

Que a uma pessoa idosa seja bem mais dificil ou até impossivel assimilar certas percepções ou julga-las corretamente, concedemos sem maiores objeções... também é impossivel a maioria dos idosos correr ou carregar muito peso... sem que a partir daí a realidade dos adultos que correm e carregam peso possa ser negada.

Eis porque afirmar que os sentidos e o intelecto falham da mesma maneira em todos os seres humanos, inclusive nos adultos e nos mais jovens, sem qualquer distinção etária, é pura falácia. 

Pois o que se aplica a uma categoria dos seres humanos, sendo típico e característico dela; não se pode aplicar a espécie como um todo...

Todo o ser jovem, adulto, ou mesmo idoso cujos órgãos dos sentidos sejam perfeitos e o intelecto saudável, é capaz tanto de captar impressões e imagens do mundo quanto de rete-las na memória e de analisa-las corretamente -apreendendo verdades e construindo conceitos universalmente validos e verdadeiros por via de abstração - segundo determinados esquemas estruturais. O resultado de tudo isto é a formulação de conceitos, juízos, leis e teorias possivelmente exatos. Tal o objetivo ou fim da vida intelectual.

Enfim as percepções distintas alegadas por pessoas deficientes ou idosas - cujos aparelhos sensoriais estejam comprometidos - não podem servir de pretexto para se questionar a validade das percepções comunitariamente apreendidas por todos aqueles que se encontram nas condições ideais de saúde ou como se diz absolutamente saudáveis e portanto perfeitamente aptos para deslindar a realidade. Do contrário deveriamos admitir que os defeitos pertinentes a uma transmissão executada por um aparelho de rádio ou de TV, avariados, implica que todas as transmissões executadas por aparelhos em boas condições sejam falsas!!!

Convém salientar ainda que embora a maior parte das pessoas, ao envelhecer sofra consideráveis perdas no que concerne a acuidade sensorial; uma significativa minoria delas tem sido capaz de conservar até o fim e sem qualquer tipo de alteração a acuidade mental ou como se diz a capacidade reflexiva em torno de uma lógica esquemática ou estrutural. De modo que tendo acesso a dados coletados pela percepção alheia são capazes de interpreta-los, associa-los e de compreende-los do mesmo modo e maneira que as pessoas mais jovens... Donde se infere que sob o aspecto puramente mental ou racional nem todos os organismos humanos conhecem significativo declínio na medida em que envelhecem.

Nenhum comentário:

Postar um comentário