quarta-feira, 4 de março de 2009

Todo homem é capaz de captar algumas verdades imediatas ou conceitos indemonstráveis.

D - Vossa paternidade quer dizer com isto que todo homem é capaz de apreender algumas verdades elementares e conceitos indemonstráveis dos quais não é possível duvidar?

M - Nem mais, nem menos.

D - Neste caso quais seriam tais verdades?

M - Em seus juizos expontâneos e anteriores a qualquer crítica, o homem aceita implicitamente como verdadeiras:

# A certeza a respeito de sua própria existência pessoal ou EU ao que denominamos auto percepção.. (1)

# A afirmação do ser. (2)

# A validade do princípio de contradição, codificado por Parmênides de Eléia. (3)


No exercício mesmo de suas faculdades cognitivas o homem tem plena consciência de estar, percebendo, conhecendo, experimentando, sentindo, entendendo, querendo... e não pode negar sinceramente o significado de tais estados de espírito e disposições de alma, sem sem opor ao testemunho interno de sua consciência.

D - Trata-se pois de conhecer o ato de conhecer?

M - Sim, e essa consciência do conhecer, implica necessariamente em três aceitações:

- De se estar conhecendo algo, algo que existe e não o nada ou algo inexistente.

- De distinguir os objetos uns dos outros.

- De distinguir-se do objeto e reconhecer-se como unidade consciente: o eu.

Da primeira: o que se opõe ao nada é o ser; e percebemos que a noção do ser esta embutida em todo e qualquer juízo formulado

Da segunda: discernir entre os objetos significa negar que determinado objeto identifique-se ou confunda-se com os demais, dando por suposta sua especificidade. Ora isto é reconhecer o clássico princípio formulado pelo Eleata: algo não pode ser e não ser ao mesmo tempo quanto ao mesmo aspecto.

Da terceira: Sei que sou uma entidade externa ao objeto conhecido e independente dele, reconheço pois ou meu eu ou reconheço-me como um eu.

D - Portanto todo o que exerce juizo, por mais simples que seja admite implicitamente: O ser, o eu e o princípio de contradição?

M- E admite tal gênero de conceito como anteriores a qualquer averiguação crítica, pois fazem parte efetiva de qualquer juízo construído.

Não podemos formular um único juízo que não comporte o ser, o eu e o princípio de contradição.

Logo tais certezas, universalmente aceitas, são logicamente legítimas, já porque vemos com plena evidência que a respeito delas não há a mínima possibilidade de equivoco.

Até aqui - Rosmini

D - Não seria o caso de tais certezas serem falsas ou aparentes?

M - Afirmar que as noções de ser, do eu e do princípio de contradição comportam erro ou falsidade equivaleria a postular o absoluto da ilusão.

Todavia quando afirmo a totalidade da ilusão, converto a ilusão em realidade, uma vez que o conceito de ilusão retida seu significado do conceito de realidade, com o qual esta relacionado por via de oposição. Só pode haver alguma ilusão caso admitamos alguma realidade... postular uma ilusão absoluta que exclua qualquer tipo de realidade é converter-la numa realidade que não conhece oposição.

Sem embargo ao rejeitar o conceito de ilusão universal como absurdo, afirmo o princípio de contradição como exato.

D - Não vejo porque a possibilidade da ilusão ou do erro absoluto, deva ser descartada.

M - Se pensar bem verá que a ilusão ou o erro não são formas de existências reais, mas privações de certos aspectos ou formas de existir.

D - Não entendo...

M - O erro nada mais é do que a ausência ou privação da verdade, trata-se sempre dum conceito relativo a verdade e não dum conceito absoluto. O erro só existe em oposição a verdade e como negação dela, não em si mesmo...

Caso houvesse apenas erro e nada mais - ou seja excluída a oposição ou a verdade - ele mesmo já não seria erro, mas verdade...

A verdade e a realidade expressam o ser, ou seja aquilo que é e por isso mesmo podem corresponde a um tipo de existência absoluta. Já o erro e a ilusão, enquanto privações ou negações do ser subsistem apenas em conexão com a afirmação ou a posse do mesmo... em si mesmos inexistem e tampouco poderiam comportar uma categoria absoluta de existência.

D - Assim a verdade - e sobretudo a verdade positiva - expressando uma conformidade com o ser, subsistiria nele enquanto o erro afirmando do ser o que não é ou negando o que é, subsistiria apenas como ideia na mente carnal. Seria uma mera palavra que expressa um juízo frustrado... e jamais uma entidade real.

M - Uma mera palavra que expressa um aborto ou uma frustração do ato cognitivo, algo que não se realiza, algo relativo e que não pode subsistir em si e por si... um espectro ou fantasma isento de concretude.

Não a ilusão ou o erro não podem ser absolutos uma vez que sua posição é antitético ou relacional.

Em suma como seríamos capazes de conceber o erro sem sua contrapartida: a verdade?

A ilusão sem a realidade?

A dúvida sem a certeza?

Como poderíamos formular o conceito de ilusão senão tendo formulado anteriormente o conceito de realidade?

Como poderíamos imaginar o estado de dúvida sem o pressuposto da certeza?

Como poderíamos compreender a privação sem a posse?

Concluindo: a existência do erro, da ilusão, da dúvida, etcdeve supor sempre, ao menos como possibilidade, a existência da verdade, a realidade, a certeza, etc ; dos quais aqueles tiram sua realidade subjetiva ou conceitual por via de privação.

D - Seria possível ampliar e aprofundar estas reflexões sobre o juízo até atingirmos a percepção?

M - Perfeitamente possível.

D - Como?

M - Imaginemos por um instante qualquer uma de nossas percepções, a visão por exemplo. Sem cogitarmos se os dados recolhidos pela visão estão ou não presentes em cada objeto gostaria de saber o que caracteriza a esta forma particular de percepção?

D - A sensação da cor ou das cores.

M - Perfeito. Agora diz-me o que és capaz de intuir a respeito desta sensação.

D - Ao captar a sensação da cor sou capaz de distinguir três coisas:


  • Que o ato de ver possui cárater e objeto específicos, que distingue-os das demais formas de percepção quais sejam audição ou paladar.
  • Que este ato nos pertence com toda propriedade. Simplesmente, sendo dotado de olhos, vejo.
  • Que a cor procede de fora de mim ou de uma dimensão exterior a minha pessoa.
M - Excelente. Podes demonstrar as distinções feitas acima?

D - Apenas sei com imediata e plena certeza que seja assim e julgo que todos os seres humanos sejam perfeitamente capazes de sabe-lo do mesmo modo.

M - Trata-se portanto duma apreensão total, segura e certa (intuitiva) cuja evidência é imediata e indubitável?

D - É o que me parece.

M - Compreendo. Agora és capaz de dizer-nos que inferências podemos extrair das distinções captadas?

D -

  • Que nossas sensações/percepções são distintas umas das outras e jamais se confundem.
  • Que o 'Eu' funciona como elemento operativo e unificador do aparelho sensorial e das impressões colhidas por ele
  • Que a cor, o som ou o odor; independentemente de sua perfeita identidade com o fenômeno, procede de um objeto externo que seja colorido, sonoro ou odorífero. 
M - Do contrário:


  • O ouvido seria capaz de captar odores, a visão de captar sons ou o paladar capaz de captar cores.
  • As distintas impressões jamais poderiam ser conectadas ou associadas.
  • A sensação subsistiria em si mesma...
Donde inferimos necessariamente a existência: do 'Eu', do mundo externo e o princípio de contradição.



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